22 de abril de 2011

Sobre papelão

Quem os olhasse teria visto o mesmo que veria em mim, acarinhada que fui. Um, dois, três cavalheiros e um cachorro no fim daquela tarde, calçada, cenário público pruma cena íntima. Insistir em ser delicado e generoso num ambiente grosseiro é um ato de coragem, de fé.

_ Não, mas olha, vou te ensinar: quando você lava o cabelo, o condicionador tem que vir da metade pra baixo. Se você passa em tudo a raiz fica oleosa. Condicionador é só mais pras pontas. Agora shampoo, não. O shampoo sim, você tem que passar bem na raiz, pra lavar bem. Mas tem que enxaguar. Tira tudo, daí vem o condicionador, porque daí... – dizia o primeiro para seu modelo enquanto lhe ajeitava uma bela trança nos cachos. Mas o importante não era a trança, nem a dica, nem o cachorro ali parado, nem eu ali olhando. O importante era a feição do que recebia, obediente, a trança. Lia-se nele o que se lê no humano que tem carinho no ato de seu recebimento. Lia-se cumplicidade e gratidão. A delicadeza como a mais contundente resistência.

7 de abril de 2011

Assassinato por escrito

Ela levou a mão ao coldre pela segunda vez em três meses completos. Depois de todas as tentativas anteriores, só aquelas contavam. Era o segundo segundo em que o mirava, o momento em que ele era alvo silencioso de toda fúria vociferante que o amor assinava. Ela própria era seu alvo junto dele, a bala, o gatilho e ela. Tudo uma coisa só.

...E levou a mão ao coldre, sacou sua arma e o mirou diante de si, aquele alvo silencioso à mercê de toda a culpa. Ele era o abismo, a morte que ela queria matar.

“Bang!” – o dedo se apertou no tiro certeiro que o atingiu de raspão no dedo mindinho do pé esquerdo. Ela tinha vontade de torturar para matar. Torturar.

“Bang!” – e fez vento no cabelo.

Ele se ajeitou, célebre como indefeso, bebendo dela a razão de – “Bang!” – o furo na parede.
Naquele rosto doce ela via círculos em duas cores ao redor do pequeno ponto, bem no centro de sua visão turva.

“Bang!”
“Bang!”

Ela avançava na direção de seu alvo e queria perfurar-lhe a carne, estar em suas entranhas, apagar sua memória, história e existência. Queria ser a própria bala para vê-lo dentro, testemunhá-lo o sangue e a ferida. Curá-lo.

“Bang!”

Mas era a palavra sua munição e sua intenção um sacrilégio.

“...O amor que despertas em mim é todo teu e só teu, porque de outro só poderia ser se aquele fosse tu. Ainda depois de ti será teu o que houver, será teu o que for, serei tua. Diante de ti, vestida estarei nua, eterna espera à beira do mesmo precipício: o que leva o nome teu.”

Ela levou a mão ao coldre pela segunda vez em três meses e atirou nele todas as palavras que aquele amor enfurecia e inspirava.

“Bang!” – e o extinguiu...

O matara para a morte ao se confessar e o guardara. Dentro dela ele para sempre viveria. E agora sabia.

“Bang-bang!”