2 de abril de 2006

Uma estrela não é necessariamente sozinha, mas todas as estrelas possuem entorno de si uma vastidão considerável de distância em relação umas das outras. E, ainda que existisse ônibus espacial especializado em transporte cósmico estelar intra-sistemas, ainda assim, não creio que as pobres viajassem tanto ou ousassem perder um minuto precioso no qual poderiam estar brilhando escandalosamente belas, só para não estarem sozinhas.Sim. Posso entender que um homem não seja uma ilha.
Mesmo porque, nem que este sujeito queira, poderia viver sozinho assim.
“Um homem é uma vida cercada de outras por todos os lados.” E isso é irreversível.
Mas, estar só, algumas vezes é irreversivelmente irresistível...
...E acho que toda a estrela sabe disso.

Camila Caringe.




(Camila Caringe, 09.2005)

Pele Azul

E é assim. Não tem mais jeito. O mundo não cresceu, mas a população sim. Estamos mais negros, mais louros, mais gays, mais ricos, mais pobres, mais exclusivistas.
E a humanidade aprendeu a fazer barulho, greve, passeata, protesto.
Alguém nasceu para o capitalismo enquanto outrem morria pelo comunismo.
Aprendemos a arte da divisão. Dividimos tudo. Criamos partidos de direita, esquerda e até de centro. Criamos times, escolas de samba. Resumimos o mundo: tudo o que não é bom, só pode ser mau. E essa nova filosofia foi camufladamente desenvolvida e aprofundada: tudo em que eu não acredito está errado e, se está errado, então é mau.
Nosso sistema imunológico passou a ser nossos conceitos pré-estabelecidos: isso eu não como, isso eu não quero, disso eu não gosto, isso é feio.
Conceito pré formado: pré-conceito. Preconceito!
Simples x complicado.
Serve x não serve.
Ideal x impróprio.
Perfeito x imperfeito.
Verdade x mentira.
Absoluto x relativo.
É claro. A gente já sabe de tudo. É só abrir o jornal que já se ganha o dia. Sabemos de tudo por mais um dia. Até que saia o jornal de amanhã estaremos a salvo.
Algumas pessoas rotulam. Outras se esforçam para que caibam nos rótulos que desejam. Algumas até mesmo se obrigam a caber em rótulos que jamais almejaram.

“Eu sou azul. Mas eu não queria ser visto como azul. Mas este ambiente é inapropriado porque eu sou azul e as pessoas vão me achar muito azul para fazer isso”.

E assim caminha a humanidade. Com passos de formiga e sem coragem. Sem coragem de dizer que tem vontade de fazer aquilo que sempre critica quando o outro faz. Sem coragem de cantar alto, de dançar sem saber como, de falar que não concorda, de aprender o que não sabe, de começar primeiro, de assumir que não acredita, de contar que tem medo.
Estaremos a salvo enquanto o vizinho não souber o que escondemos na garagem. E na garagem escondemos um diário indelével de percepções que fingimos não ter. Escondemos esqueletos no armário. E continuamos a dividir tudo. O dividido sente-se a parte rejeitada, mas continua a dividir-se por si próprio.
Dividir-se, apartar-se, limitar-se, restringir-se, colocar-se, dividir-se.
Por detrás da pele azul existe a consciência de que pouco importa, mas ainda a atitude de quem peca.


Camila Caringe.
03.2006