22 de novembro de 2010

L.M.

Ele foi mais do que um professor. Ele ainda é meu professor. Um mestre, um exemplo, um sem par. Peguei a fila e, no meu livro que era dele, escreveu:

“À Camila, uma das inteligências mais dinâmicas e perspicazes que conheço, algumas dúvidas sobre a vida, o universo e tudo mais. Beijos.”

Acreditar eu não acredito. Mas tenho provas de que foi assim.

19 de novembro de 2010

Zurzida e após

Ainda submersa naquela aparição que era eu mesma pra mim, fantasmagórica e perdida, sentei, apática e sem vontade, no banco. Mal sabia eu que adicionaria àquela cena, mais tarde, uma musiquinha italiana, do tipo trilha-sonora-de-desenho-da-tv-cultura, instrumental. Naquela hora eu não sabia, então o leitor que acrescente o fundo, privilegiado que está pela insider. Pois bem, que era eu sem pretensão, procurando nos outros rostos o que faltava no meu. Uma certa malícia, força, volição. Eu olhava ao redor, esmilingüida e sem expressão, querendo qualquer coisa. Foi quando Deus entrou. As portas do vagão se abriram e ele veio andando, humilde, resignado, com as costas curvadas, cansado, emagrecido, senhorinho, de boné, com a barba por fazer e os cabelos sem melanina. Foi-se encaminhando pra dentro lento, mas não tão lento, apoiado numa bengalinha que era, em verdade, um guarda-chuva longo que lhe fazia às vezes de apoio. Veio vindo em minha direção e sentou-se à frente, bem perto, bem diante dos meus olhos. Ele trazia enrolado a si uma bolsa, dessas bolsas finas, como pastas, onde não cabe muita coisa. A bolsa pendia das costas e ele a ajeitou no colo. Ansioso, tirou de dentro um saco preto e, de dentro do saco, uma embalagem. Com seus dedos trêmulos e enrugados, começou a censurar o pacote de plástico. Mexeu daqui, dali, e foi me dando tempo de reparar na falta de substância. As duas pernas dele juntas davam uma minha, e eu sou magra (1,69/59). Ele fazia força, puxava com cuidadinho um fio e outro, rasgava mais um pedacinho e seguia livrando sua pequena preciosidade da capa inconveniente. Eu enxergava algo prateado, mas não identificava o que era. Minha estação chegou e levantei, bem a tempo de vê-lo tirando de dentro da bolsa azul-escuro um rádio de pilha. Ele estava assim, todo orgulhoso de si, conectando o fone no radinho, quando parti e deixei meu Deus à mercê de sua felicidade simples. No próximo, naquela dignidade infinita que eu protegeria com a minha própria, achei um Deus que me lembrou por que ainda valia à pena viver.

15 de novembro de 2010

O mundo é da calça jeans

“O tamanco é menor do que o pé dela” – pareceu pra mim violento e doce o fato de que uma negra dona de tal corpulência se equilibrasse em tamancos tão menores. Não eram um só número menor. Deviam ser uns dois ou três, porque parte alguma do pé se encaixava bem ali. Era violenta aquela constatação, porque eu mesma já havia cedido meus quadris à grama, por não agüentar meu próprio peso em sapatos fofos, enquanto ela, ela, continuava firmemente auto-sustentada. Eram pés fortes, descendentes de panturrilhas fortes. Mas a feição beirava de perto a serenidade, não fosse pela excitação de estar naquele show, ouvindo Cash na voz da Norah. Era extasiante, nós duas sabíamos. E por isso era doce. Porque as unhas dela estavam pintadas do mesmo vermelho que o vestido do palco. Estavam bem-feitas, enfeitando a ponta dos tamancos cuja antiga dona deveria ser menor. Eu ali, entre pés, pernas e bundas, ouvi dizer que “the Sun is shining now... it’s shinig on” us.


1 de novembro de 2010

The Economist sounds bitter about our outcome

Dois, entre os três destaques diários na home da Veja britânica, The Economist, versavam sobre as eleições brasileiras na tarde deste primeiro de novembro. E a The Economist, que não apresenta matérias assinadas e preza pela uniformidade do discurso e a clara opinião do veículo enquanto corporação, parece não ter se agradado do nosso resultado.

Nem estou aqui falando sobre o resultado em si que, diga-se de passagem, diz respeito aos brasileiros. Mas acompanhe minha livre tradução de alguns trechos do texto, que não chamo de matéria:

"[...] Ao escolher entre continuidade e experiência, os brasileiros escolheram continuidade.
No dia primeiro de janeiro a senhora Rousseff se tornará a próxima presidente do Brasil e a primeira mulher a ocupar o cargo. No fim das contas, foram os mais pobres e menos desenvolvidos do nordeste que a colocaram no posto. Ricos e bem-educados preferiram Serra, mas o Brasil tem menos destes. [...]"


Entre os comentários do público:

"Lula’s foreign-policy adventurism"? "Lula in lipstick"? Come on, The Economist. You can do better than that.

Eu gostaria de acreditar, mas não. Acho que a The Economist não pode fazer melhor que isso.

Leia o original: No surprises this time