28 de junho de 2012

Registro


(((silêncio)))
(((silêncio)))

Vozes no escritório:


_ Esse já dá pra montar, porque esse não tem recomendação.
_ É. O pequenininho já pode tirar, né?
_ Mas eu já batia...
_ Essa colorida aí, do grande, precisa mandar pra ela...
_ É... vai tirando...
_ Depois tira.
_ Não, é que vai bater as meninas.
_ Ah, por isso cê quer que mande.
_ É. Não, mas acho que o capítulo dois são essas páginas aqui... 47, 48, 49, essa daqui não tem...
_ Tô tirando só dessas mesmo.
_ Então tá bom.
_ Cê quer que eu deixe na sua mesa?
_ Cê deixa na minha mesa?
_ Eu deixo na sua mesa.
_ Então tá bom.


(((silêncio)))
(((silêncio)))

O cacto indiferente colhe impressões em 360 graus. 

Barulho de ônibus e sirenes lá fora. 
Som de teclas.
Estas.

25 de junho de 2012

Declínio


Pai, mãe, irmã e anônimos, 

Sei que disse que faria e agora falo que assumo que disse que ia fazer. Mas não quero mais. A vida é assim.

Estive pensando com meus botões e me veio à cabeça um episódio terrível, quando uma carta privada a um rapazinho repercutiu em orkuts e blogs alheios sem que a autora tivesse conhecimento. Para confirmar o episódio, bastaria lançar “Camila Caringe” + “babacossauro” no Google. De maneira que resolvi não postar aqui o texto Do Belo na íntegra.

Mas não há razão para pânico. Qualquer um poderá acessá-lo sem custos. Basta manifestar intenção.

Envio por e-mail. 

21 de junho de 2012

Releituras [do Belo]


FEDRO: [...] Para eles [os amantes], tudo é pretexto de se sentirem magoados, pois acham sempre que todos só pensam em prejudicá-los. Daí lhes nasce procurarem de toda a forma impedir que seus amados se aproximem de outras pessoas, de medo que os ricos os sobrepujem com o dinheiro, e com sua inteligência façam os instruídos melhor figura do que eles, com o que se põem de sobreaviso contra quem revela alguma superioridade a seu respeito. [...] Os que alcançam o seu intento sem serem apaixonados, graças exclusivamente ao mérito próprio, jamais se mostram enciumados dos que convivem com o seu amigo; pelo contrário: odiarão, de preferência, os que te evitam, por imaginarem que o fazem por desprezo, enquanto só poderás auferir vantagens da convivência com os outros. Por tudo isso, é mais provável que de semelhante comércio nasça afeição, não inimizade. Ademais, é comum entre os amantes cobiçarem apenas o corpo dos mancebos, sem lhes conhecer o caráter e os hábitos, de forma que não se pode ter certeza de que semelhante ligação sobreviva ao desejo.

NINFA: Nessa hora fiz uma careta, mas Sócrates interrompeu meu movimento com o seu. Virou a cabeça bem na direção em que eu estava recostada, como que para me ver. Pareceu, por um instante, olhar-me direto nos olhos diante da constatação que tivemos ambos simultaneamente. Lísias é um ressentido, coitado. Certamente algum mancebo se lhe deixou e o abandono não lhe entra na cabeça por mais que o repense obsessivamente. Foi isso. Nivelar por baixo o senhor, Eros, assim, como desejo efêmero e vulgar, dado às promiscuidades das sensações, seco, estéril, cheirando a queimado, esturricado? Isso é coisa de quem teve sua febre digerida pelo tempo em solidão.

FEDRO: [...] Digo mais:

NINFA: E não cansaste ainda de proferir barbáries orgulhoso de teu Lísias, caro Fedro?

FEDRO: Para o teu próprio aperfeiçoamento, é preferível ouvires-me a atenderes ao teu apaixonado. Pois este, contra a razão, elogia o que fizeres ou falares, ou pelo receio de desagradar-te, seja porque a paixão lhe falseie o julgamento. Porque o amor se manifesta do seguinte modo: o menor contratempo, que para muita gente nem seria digno de menção, aos olhos do amante infeliz é desgraça inominável, como, por outro lado, força os amantes venturosos a gastar elogios com o que não tem valor. Donde se colhe que os amantes são mais dignos de piedade do que de inveja. Por isso, se me escutares, em primeiro lugar não só não procurarei ao teu lado apenas o prazer transitório, como cuidarei dos teus futuros interesses.

NINFA: Futuro??? Que futuro um ser assim arrefecido e apagado teria ao lado de um Lísias??? Fiquei revoltada nessa hora e acho mesmo que cheguei a dizer algo como “mata ele, Sócrates!”. Ainda bem que não me ouvem. Digo, é certo que entre apaixonados passam, pela mesma via, de um lado e de outro, elogios que não são devidos ou não são de todo sinceros ou não cabem ou simplesmente não traduzem a realidade. Mas qual palavra é capaz de traduzir o fato? Palavra é só versão. Ademais, que mal tem um elogiozinho inoportuno? Não mata, não fere conviva. Eu, pelo menos, até hoje não vi caso. Agora, essa parte aí do quanto suscetível é um apaixonado, nisso tenho de concordar. Já vi queridos rasgarem-se em pranto sofrido pelas menores minimalidades. Um olhar que não teve na hora em que julgara merecer, um tom de voz ligeiramente inábil, um deslize ínfimo qualquer. Fiquei até com dó daquele que se explicava sem cometer delito. Antes tivesse pecado para justificar o escândalo. Não tendo, a coisa se torna bastante dramática. São capazes de discutir a cerca do mesmo tema por horas, dias, já vi meses e anos em desgaste, até lindos pratos gregos voando contra a parede, contra o chão, contra o peito do parceiro acusado de ser o machucador. Isso tudo não me era novidade. Mas, sabe? Não havíamos chegado ainda àquela parte do que os motiva a submeterem-se às tais agruras. Eu, Ninfa, não tenho outra maneira de conhecer esses episódios senão por meio da observação. Meu Eros, veja, é ideia que mora no Bem e no Belo. É ordem, é cosmos. Eu, sendo Ninfa, não promovo derivações para os descaminhos...

FEDRO: [...] E agora, Sócrates, que tal achaste o discurso?

NINFA: Horrendo.

FEDRO: Não é admirável sob todos os aspectos, mas principalmente quanto às expressões?

NINFA: Não. Não é admirável. Quanto ao aspecto? Asqueroso.

SÓCRATES: É demoníaco, meu caro; fiquei fora de mim.

NINFA: Ah, eu também, viu? Fiquei fora de mim. Quase interrompi a vida de Fedro para que não continuasse esse delírio herege.



Livre criação sobre Fedro, Platão, em tradução de Carlos Alberto Nunes

19 de junho de 2012

Generosidade gera

...generosidade.

Ele me pediu um texto.
Eu, atrasada até pra isso, depois da última curva do último minuto, mandei meu trechinho simplório. Ele transformou em parceria. Coisa de amigo.



O moleco agora viaja com nós dois ali.
Óh pra ver como é verdade: clique aqui

Aproveitando o ensejo das boas novas, tchô contar uma coisa muito importante: a colega da frente entrevistou hoje o Alexandre Navarro, especialista em fim de mundo.
O sujeito é historiador, mestre em arqueologia pela USP e doutor em antropologia pela UNAM, México, com estágio em Arqueologia da Paisagem no Instituto de Estudios Gallegos Padre Sarmiento, na Espanha. Especialista na cultura maia, participou de escavações arqueológicas nos sítios de Chichén Itzá, Calakmul e Ilha Cerritos (porto de Chichén Itzá). Desenvolve pesquisa de pós-doutoramento sobre a cultura maia no Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp.
Segundo Alexandre, o calendário maia só indica para 2012 um fim de ciclo corriqueiro de 52 anos, não o fim do mundo.

Tá bom?
Isso significa que vou ter realmente que entregar meus trabalhos de fim de semestre esta semana e desistir de dormir até lá.

Sejam pacientes, que passada a tormenta eu coloco um PDF maior batuta aqui pra quem quiser ler uma nova versão do Fedro, com a presença de uma Ninfa intrometida no diálogo.

18 de junho de 2012

life is crude

15 de junho de 2012

Variável imprevista


Passaram um tempo eles dois pensando em tudo. Horário de saída, de chegada, hábitos, belezura de menina, mais bonita a casa, certeza com muito dinheiro dentro. A tensão no carro e o teu cheiro de suor.

_ É teu.
O jornal no chão, dois dados vermelhos pendendo por detrás de espelhinho junto com uma fitinha de Santo Expedito e o símbolo do feng shui. Fazia mais de ano não lavava o carro.
_ E eu não sei? Hum. Se vê!
E a espera contando tempo de mil anos.
Era pouca a chance, tinham de ser rápidos, seguros, cada um no lugar de combinação, freio, segredo, a planta na mão, plano perfeito. Não tinha como sair errado.
Do outro lado da rua a viram chegar, olho baixo, contando passo, cabelo liso escorrido, mechinha no rosto a menina tira charmosa, ganha dez da plateia que quase desiste do empreendimento. Um deles resolve rezar, pedindo a proteção de Deus e do anjo para o que vai fazer, com mocinha rica nunca tinha mexido e se não desse trabalho extra estranharia. Checou a medalhinha de uma Nossa Senhora sabe-se lá do quê no peito, colocou pra dentro, gola acertada, mão no retrovisor e a menina vindo, o pezinho róseo na sandalinha delicada, devia ser um amor a belezinha.
O outro perguntou se era mesmo, porque aquela roupa nunca tinha visto, não conhecia, era mesmo? Era. Ela mesma. Não ia ser sacrifício tratar bem tão bonita, que uma semana ou duas o caso já estaria resolvido, ela devolvida, um pouquinho do cabelo cortado pra assustar a família e talvez unha, que é perto do dedo e faz mais efeito de baque, fica aí material pra DNA.
A menina com caderno na mão e vindo, os fios claros, quase louros, a mão delicada ajeita atrás da orelha, desavisada, um passo depois outro já na direção da porta quando salta um desconhecido à sua frente e anuncia seu sequestro.
A menina pálida e sem voz não consegue avisar, não consegue dizer, só espera entrar no carro pra desmaiar. Semi-acordada semi-não, olha pra cara dos cretinos incrédulos, a carteira dela na mão, menina rica atestada inútil. Tiveram mesmo que matar a empregadinha.

13 de junho de 2012

Sedução

É promíscuo o sabor
Os cheiros das gentes
As gargantas, cantos
As vozes das bocas quentes 

11 de junho de 2012

Caros amigos,


hoje venho dizer que tanto faz.
Devido o elevado número de pessoas que levam demasiado em conta grandissíssimas irrelevâncias, sinto a necessidade de comunicar-lhes isso.

Tanto faz os livros que li, de qual qualidade e menos ainda em que quantidade. Não importa com quantos homens me relacionei, pra onde viajei, se casei ou comprei uma bicicleta. A verdade é que o caminho que fiz para chegar a ser eu é absolutamente dispensável conhecer. As curiosidades intimistas, caso satisfeitas, não merecem mudar impressões.

Basta saber o seguinte: estamos todos na direção do que não conhecemos, mas intuímos. “O importante é estar com quem se gosta” e outros clichês excessivamente disseminados. A sabedoria popular, dois litros de água por dia e a Ave-Maria – esta última só pro caso de a razão não dar conta, o que parece suceder com freqüência. Já o sentido é coisa de quem se entende, de quem se achou. O resto é sintoma de nossa humana ignorância.

Boa sorte a todos nós.

8 de junho de 2012

Hora deserta


A métrica qual importa

Doçura vaziez à porta
Esperando só dar vazão.

Quisera pintar todo dia
Paisagens claras na tua janela
Delícias, primaveras
Tudo o que te interessa
Estivesse à mão
E tudo à mão te interessasse
Assim não precisasse
Olhar pra fora
Procurar o vão.

6 de junho de 2012

Ligeiramente conhecidos


Entrou no metrô e olhou a garota: “conheço ela de algum lugar... de algum lugar... de onde eu conheço essa menina...”

Porta abria, porta fechava, a garota não saía e ele ali pensando: “trabalho? Não... faculdade também não... Será que é do bairro? Da rua? Não... amiga de um amigo também não... Balada?”

(((estalo)))

“Ah! A gente transou...”


3 de junho de 2012

(in)oportunidades


Não foi nem mais nem menos aquele dia dela que... 


_ Não foi.

...Mais ou menos. Talvez por isso a porta aberta significasse uma redenção.

_ Isso... uma espécie de misericórdia, santo Deus, a coisa divina que tinha finalmente nome!

A porta de um edifício?

_ Não, não, não! A senhora segurando a porta pra mim! Isso é preâmbulo de milagre! Senhora (senhora!) segurando a porta do prédio para uma jovem, a senhora pela senhorita!

...Um verdadeiro gesto de gentileza. Que não significava necessariamente coisa alguma além de senso de civilidade e afeição pelas coisas do mundo. As pessoas são coisas do mundo. A menina veio vindo do outro lado da rua e a senhora olhou. Por se encaminhar para a calçada próxima e embicando as pontas das botas bem pro portão – a cabeça ligeiramente caída, cansada de ver carro ser carro, avião sendo avião – pensou que não faria mal segurar o portão mais um pouquinho. Foi só isso.

_ E as sacolas? As sacolas!

Ah... tem isso também. A senhora estava com suas sacolas de supermercado.

_ E que tipo de senhora segura um portão para uma senhorita desconhecida, ainda que esteja segurando sozinha suas sacolas de mercado? Trata-se de um caso verdadeiramente raro. Não é possível que se desperdice.

Eu teria dito para não fazer isso. Eu teria. Se pudesse dizer. Pois não dizer, foi-se ela portão adentro, sorrindo satisfeita, agradecendo a atenção da senhorinha. Deu boa tarde, deu obrigada e a previsão do tempo medianamente estimada:

_ Vai chover... 

_ É... vai sim...

Não choveu, mas nenhuma das duas se lembrou desse converseio cinco minutos depois. Entre papos interessantíssimos o elevador veio e as levou. Primeiro a senhora: 8. E olhou pra mocinha.

_ O seu é...

Como quem lembrasse. Não podia, claro, lembrar do que nunca soube. A moça olhou bem até o décimo quinto e achou difícil escolher um número só sabendo que ia errar. Fosse mais de uma a chance teria a crença tola de poder tentar outra vez antes que já fosse indiscrição demais. Pensou na cobertura. Achou prepotência. Mas gostava dos altos:

_ 14, por favor. Obrigada.

E fez a velhinha feliz de novo, que adorava servir.