28 de junho de 2010

Damião…

...Damião…
...Damião.


De repente nunca me pareceu tão bonito aquele nome, assim como qualquer outro. Nunca um nome foi tão bonito assim. Damião.

Damião é nome de coisa forte, de gente que dura, rija, sobrevivente, audaz. Nome de desbravador tinha aquele Damião e todos os outros. Damião podia ser nome de rei. Rei Damião II. Pra quê tantos Pedros, Luíses, Augustos, se Damião era tão... hum... Invicto? Nenhum Damião havia jamais avançado por entre as minhas pernas, por exemplo. E, por exemplo, nenhum Damião jamais se sentou a mesa para comer comigo. Nenhum Damião que eu conheça foi galã de novela das oito. Nenhum Damião fez sucesso como um Michael. Conheço muitos Michaels de sucesso, mas não muitos Damiãos. Não conheço um Damião que tenha pintado uma capela, sistina que não fosse, nem carecia. Que tenha pintado uma telinha e alguém o tenha admirado por isso. Tá, vai, que tenha feito um silk numa camiseta. Damião conheço não.

Damião é nome de quem usa chapéu. Parece, não parece? Soa. Damião passando assim, num finzim de tarde com um cigarro de palha na boca. E das portas das casas lhe acenariam. “Tarde, Damião.” “Tarde” ele responderia todo vaidoso de lhe lembrarem o nome.

Damião podia ser herói. O corajoso Damião que salva a princesa Creolina no último mal do último segundo ruim de uma história que qualquer contasse. Damião se poria num jeito ousado e irrepreensível entre a princesa em prantos e uma gazela metade chimpanzé que ria da desgraça de uma família irreal. Surreal. Damião se lançaria na frente das chamas, na frente das balas perdidas ou miradas, na frente das espadas, dos canhões e, no grito, no suspiro já desesperançado, eis que Damião surgiria e salvaria a pátria, o amor, a vida, o próprio Deus.

Sim. Damião é um bom nome até pra Deus. Por que acreditar num Deus quando se pode acreditar num Damião? Eu nunca vi um Deus, mas já vi um Damião. Não jantei, dormi ou trepei com um Damião, mas aí é que tá. Assim Damião conserva essa aura de mistério, esse ser intocado, aquele mesmo invicto. Damião se jantou eu não vi, mas já deve ter feito milagre. Aquele pelo menos já deve ter feito. O meu muso, inspirador de minhas intrépidas reverberações internas, de meus questionamentos, trator de meu juízo, íman de meus olhos, aquele Damião ao qual me refiro, coloco minha mão no fogo se já não foi santo.

Ele passou assim por mim, num final de tarde em que ninguém o cumprimentou. Ele passou, não lembro se com chapéu ou sem, mas decerto teria ficado mais bonito com. Já era noitinha cedo, porque era outono invernando. Damião passou bem diante de meus olhos e eu, que sabia que se punha ali um legítimo Damião, nada disse. Olhei só. Fiquei olhando e olhando, até não olhar mais. E, antes que ele sumisse no horizonte da esquina depois do ponto de ônibus daquela ruazinha poluída de tudo, pude ler nos sacos brancos de estopa, grandes os sacos, do tamanho dele próprio, que levava com força, com determinação, pude ler: Damião.

26 de junho de 2010

tensão pós-moderna

Basicamente um estado de ira. Completa fúria devastando o seu coraçãozinho com desejos insanos e, por sorte dos outros, impossíveis. Cenas lindas de espancamento, agressão, morte por tortura, esquartejamento e sufocamento passam pela sua mente incessantemente, como se tivessem vida própria e só esperassem a grande chance de se materializar. Um rancor de tudo e nada, uma mágoa de qualquer coisa desconhecida, um tufão nascendo no peito e varrendo um rosto sorridente com um “bom dia por quê???!!!” entre dentes. É a impossibilidade completa de sutileza, o próprio fel, um desgosto. Um chamariz da desgraça alheia, uma desventura, uma tragédia musical de berros, de foras, de chutes, de pontapés não-iniciais. A languidez, a raiva, a revolta não-intercalada com o senso do bom.

O mal.
Encarnado.
TPM.

22 de junho de 2010

É preciso ser triste

Conheço muitas pessoas que são intratáveis quando estão felizes. Ficam tão embebidas no próprio júbilo que não enxergam bem a mais nada. Nem a si próprias, aliás. Ao contrário, não conheço ninguém que triste não seja sensível, solidário e manso. O oposto é natural da ira, da frustração e da autocomiseração, não da tristeza. A tristeza é talvez o sentimento humano mais útil, porque força à reflexão, quando não paralisa, é claro. Os mais nobres seres humanos de que tenho notícia eram tristes. E engraçados. Porque o triste não implica no austero, necessariamente. Talvez eventualmente, mas não sempre. O triste é cru e a crueza é bem do humor. Do humor comedido, não do pastelão, evidentemente. Além disso, o triste é mais livre que o feliz, porque o feliz tem algo precioso a perder. O triste não. Este está em busca e mais preparado para não se escandalizar com tal nudez. A nudez que ceifa a sanidade na qualidade do cru e da patética cegueira que pensamos cozinhar.


Porco-poeta que me sei, na cegueira, no charco
À espera da Tua Fome, permita-me a pergunta,
Senhor de porcos e homens:
Ouviste acaso, ou te foi familiar
Um verbo que nos baixios daqui muito se ouve
O verbo amar?

Por que na cegueira, no charco
Na trama dos vocábulos
Na decantada lâmina enterrada
Na minha axila de pêlos e de carne
Na esteira de palha que me envolve a alma

Do verbo apenas entrevi o contorno breve:
É coisa de morrer e de matar, mas tem som de sorriso
Sangra, estilhaça, devora, e por isso
De entender-lhe o cerne não me foi dada a hora.

É verbo?
Ou sobrenome de um Deus prenhe de humor
Na péripla aventura da conquista?



HILST, Hilda. “Amavisse”, in Do Desejo.

21 de junho de 2010

Da obviedade


_ Nossa… a gente dorme no ônibus mas não descansa, né?


_ É. Nem poderia! Sabe por que isso acontece?

_ Não. Por quê?

_ Porque nossa alma não deixa o corpo quando a gente dorme em movimento. Já pensou? Sua alma deixa seu corpo descansar aqui em São Carlos. Daí, quando volta, você não tá mais aqui, já tá em Araraquara. Como ela ia fazer pra te achar lá? Não ia dar certo!

20 de junho de 2010

Esto no es la pérdida.

Pérdida se da en los campos llenos de amapolas, en los desiertos distantes y tarde en la noche cuando no hay ninguna buena razón para que el teléfono suene.

Esto es sólo nostalgia.

Esto no es importante.

Importante es postrarse de rodillas e inhalar por unos segundos mientras el corazón palpita con fuerza.

Esto es sólo una distracción.

http://bipoidentidad.com/

18 de junho de 2010

Da série: Reflexões profundas em aforismos

surpreendente: um macaco dar bom dia

sutil: subir no balcão gritando Hayo Silver!!!! para o atendente que disse que não vai estar podendo fazer o que você vai estar pedindo

intempestivo: continuar gritando Hayo Silver!!!! após a polícia chegar

delicado: pedir desculpas após dar parabéns à uma mulher que não está grávida

malandro: devolver um dinheiro que estava devendo faz tempo e, no ato da devolução, pedir um dinheiro emprestado

inusitado: ser assaltado dentro de uma delegacia

solitário: usar o bidê

amoroso: lembrar de fechar a porta do banheiro antes e depois de usar o bidê

polido: tirar o chiclé da boca e guardá-lo em baixo da mesa, longe das vistas dos outros, pra mascar mais tarde

amargo: morrer sufocado com a própria bile

desprendido: colocar fotos de nu no Orkut

ingênuo: ficar olhando toda hora seu álbum no Orkut pra ver se tem comentários, quando se sabe que os melhores comentários não são registrados nominalmente

recomendado: antes um pinico do que os lençóis

16 de junho de 2010

Acontece(u)

Ela acordou uma hora depois de dormir com uma vontade louca de cuspir. Louca era ela, mas também a vontade e tudo o que a varria por dentro, que a hipnotizava e prendia diante da constatação bestial de que precisava cuspir. Era simples. Uma cusparadinha e ninguém notaria. Quer dizer... Não. Não era bem assim. Não era exatamente uma cusparadinha. Mas ela tinha que cuspir e pronto. O tamanho certamente não faria diferença alguma diante do fato de cuspir. Cuspir não era comum naquela região do tempo e até os seus 11 anos completos jamais ouvira falar de alguém que o tinha feito. Ela, então, nem pensar. Aliás, mal compreendia como é que seu cérebro pôde conceber tal absurdo como a idéia de botar fora da boca algo de seu interior. Era contrário à natureza e tangenciava o macabro que algo se colocasse não para dentro, como alimento, mas para fora, também como alimento. Algo que alimentava porque era o caminho da maravilhosa sensação da satisfação. A satisfação que só conhecia quem cedia. Aos desejos que ela não compreendia, mas porque os deveria antes de executá-los, já que aquele alguém parecia não fazê-lo? E, ao fim daquele segundo demorado onde várias gerações pareceram contemplá-la, suspensos e absortos naquela ousadia querendo caber num ser desprezível, chocou a todos quando cuspiu bem na cara de seu pai. Vestiu as roupas tremendo e mal pôde fazê-lo completamente antes que ele se recuperasse de tamanha humilhação e viesse tê-la. Ela sabia que todas as divindades a amaldiçoariam depois daquela soberba desobediência, mas levantou a cabeça, escorreu seu braço pálido por entre as mãos robustas de seu senhor, passou pela covardia que chamava mãe e com destreza ainda maior despediu-se da vida, como uma traidora de pés no chão. Foi ter com Deus na neve e na solidão, até que a privação a sublimara, num surto de bondade e compreensão. Anonimamente. Graças. Anonimamente.

15 de junho de 2010

Da série: Diálogos poéticos grupo F



_ Eu não acho que o céu deveria se chamar céu.


_ Ah, não? E você acha que deveria se chamar como?

_ Deveria se chamar artério.

_ Artério? E por quê?

_ Porque é uma mistura de ar com etéreo. E tem também essa questão de lembrar artéria, como se pulsasse, como se estivesse vivo.

_ Ah, sim. Tô vendo pulsando.

_ Não. Não é isso. É que ele muda.

_ Hum.

_ Mas eu não entendo porque chamam de firmamento. Eu gosto, mas não entendo.

_ Ah... é porque é firme.

_ É por isso mesmo? Tem certeza?

_ É sim. Porque fica firme lá em cima. Não cai nunca.

_ Ah... Mas eu nunca toquei pra ver se é firme mesmo. Nunca coloquei a mão pra ter certeza que não cai.

_ Não cai, não. Firmamento é uma boa palavra pro céu.

_ Sim, eu também acho! É bonito, embora eu não entenda. Mas tem muita coisa que eu acho bonita e não entendo. Você, por exemplo.

_ Hum. É bom saber que a gente sente o mesmo em relação um ao outro.


10 de junho de 2010

H.H.: é jogo sujo o que ela faz com a gente

Eu li aqueles versos de Hilda como quem lê uma prece. Depois, com a mesma reverência, desloquei meus olhos pro azul alto e, na maneira de constatar a vida do que existia, os baixei de volta ao nível dos mortais. Singela pobreza de vistas em paisagens tão ricas...

8 de junho de 2010

Criança

_ Eu... tô com zono... E zabe porque izo agonteze?
_ ...
_ Porque eu tô ganzado...

7 de junho de 2010

Quimeras presentes


Para mais, vide álbum do orkut.

4 de junho de 2010

É porque tá na hora

_ Camila?
_ Oi.
_ Você já tá solteira?
_ Rs... Por quê?
_ Ah... sei lá. Acho que eu deveria ficar.
_ Hum... Por quê?
_ Ah... Tô triste e meu namorado nem liga, sabe? Eu só quero colo, quero me sentir melhor. Mas ele nem se toca. Eu tenho que estar sempre sorrindo pra ele!
_ Sei... Sei exatamente como é isso. Cê acredita que eu já namorei um menino que ficava bravo comigo quando eu ficava triste? Que beleza, né?
_ Não dá pra entender. Tô tão sozinha...

1 de junho de 2010

Enquete

O que você faz quando o seu entrevistado dá em cima de você?


1) Retribuo, claro! Quem sabe não rola uma informação exclusiva?!
2) Se for gatinho eu vô. Se não, num vô.
3) Nunca, jamais, em tempo algum! Sou séria! Assuntos pessoais, só depois da entrevista!
4) Nem ligo. Homens são todos iguais.
5) Guardo o contato para futuras “confirmações e checagens de informação”...
6) NDA



E se esse entrevistado exalar a Romeu y Julieta, o cubano?


1) Retribuo, claro! Quem sabe não rola uma informação exclusiva?!
2) Se for gatinho eu vô. Se não, num vô.
3) Nunca, jamais, em tempo algum! Sou séria! Assuntos pessoais, só depois de ele escovar os dentes!
4) Nem ligo. Homens cheiram todos iguais.
5) Guardo o contato para futuras “confirmações e checagens de informação” sobre o regime...
6) NDA