27 de fevereiro de 2013

Extravios


Em qual lamentável momento perdemos o entusiasmo (do grego en + theos = em Deus)? Parece que nascemos simpatizantes da vida e num rompante simpatizamos com a direita, com a esquerda, com a moda praia, com discos voadores... menos com a vida. 

Uma amiga minha recebeu um e-mail muito bonito de uma amiga dela. A segunda, ao consolar a primeira, contou o que segue. 


O Gui já começou a ler. Esse novo universo está deixando minha irmã maluquinha. A última pergunta foi: 

__ Mamãe! Por que algumas palavras a gente escreve com S e fala com Z, por exemplo casa e paraíso??? 

Minha irmã foi direto pro Google, mas a regra era muito difícil de explicar e ela ficou com medo de apagar essa curiosidade dele, então respondeu: 

__ Filho, nossa língua é assim mesmo. Você vai conhecer algumas palavras bem diferentes entre falar e escrever. 

E ele disse, empolgado: 

__ Isso tudo é muito divertido!!!

25 de fevereiro de 2013

Zunido


Sentados no parque, ele faz menção de tirar algo do bolso.  

__ Não! Por favor! Eu não fiz nada! Guarda a abelha! Eu não gosto! Não fiz nada dessa vez! 
__ É. Tem razão. Não fez. – e guardou a abelha de volta. 
__ Eu contei tudo pra minha mãe, sabia? 
__ Contou? 
__ Contei! 
__ O que você contou? 
__ Eu mostrei a foto da abelha no meu celular e contei que você cria no seu bolso e tira sempre que quer me irritar. 
__ E sua mãe? 
__ Ela riu! 
__ E você? 
__ Eu ri também! 

Ele apertou as pálpebras e virou mais a cabeça na direção dela. Talvez para reparar melhor na forma infantil e tão convicta como ela contava um absurdo.

22 de fevereiro de 2013

Recomendação turística


O centro da cidade de São Paulo pode ser muito excitante para a população estrangeira que visitará o País nos próximos grandes eventos esportivos. Eu, particularmente, deixo aqui minhas notações pra lá de interessantes. 

Além da observação noturna in loco de pragas pestilentas muitas típicas também em Londres e Hamelin (belíssimos exemplares de periplaneta americana e rattus norvegicus muito robustos e bem dispostos), ainda é possível aproveitar para resolver a vida inteira numa única região. Mais do que isso: em um único estabelecimento. 

Experimente uma das fantásticas lan houses latino-índio-anglo-africanas. É possível consultar o nome no Serasa, apostar na loteria, carregar bilhete único e colocar crédito no celular antes ou depois de olhar seu facebook. Mas eles também servem almoço de segunda à sexta, fazem depilação de quinta à domingo e oficinas de Teatro do Oprimido às terças e quartas. Tudo isso comodamente arranjado em 3 m². Um milagre da diversidade brasileira. 

Coisa linda.

19 de fevereiro de 2013

Incumbênçãos


















8 de fevereiro de 2013

Brincando com apps


4 de fevereiro de 2013

Processo seletivo


__ Boa tarde, boa tarde. Meu nome é Camila e eu gostaria de pedir desculpas. Marcamos com vocês às dez, são treze horas e... Ah, bom! Nem foi tanto tempo assim! É que eu tive uma crise aqui esta manhã e... Bom, de qualquer forma é bacana que vocês estejam assim cansados de esperar, abatidos e famintos da hora do almoço, assim já percebo a tolerância de vocês, alguns traços da personalidade e a gente se conhece melhor. Legal? Ótimo! Então, vamos começar por você aí do canto. Você. Sim, isso mesmo. Conta aí um resumo da sua vida. 
__ ...Er... da... minha vida? Da vida inteira? 
__ Sim, querida. Da sua vida. Profissional, lógico. 
__ Ah...! Bem, eu... 
__ Pronto. Entendeu a pergunta agora? Vai pensando aí. Depois eu volto em você. Quem agora? Você! Da outra ponta. Por que é que você gostaria de trabalhar comigo? 
__ Eu? 
__ Sim, querido. Você mesmo. Mas gente... o que está acontecendo com esses candidatos hoje? Será que eu sou vesga? Tô olhando pra você, ué! Me responda! 
__ Ah... bem... eu... sinceramente... Acho que a nossa empresa pode contribuir enormemente para o desenvolvimento da sua carreira. 
__ Ah, é? Legal, hein? E como? 
__ Oferecemos CLT, plano de saúde e plano odontológico. 

Os outros candidatos se olham entre si e procuram deixar as costas mais eretas na cadeira.

__ Olha... não é mal, viu? Não é mal... E você? O que você poderia me oferecer? 
__ Ah, que bom que você me fez essa pergunta! Eu gostaria de dizer que, entre os benefícios, nossa empresa também oferece seguro de vida e no valor de quinze reais vale-transporte. 
__ Como? Não entendi muito bem... É... vale-transporte de quinze reais por dia? 
__ Não, não. O vale-transporte é no valor máximo de seis reais por dia, senão não compensa pra gente. Mas, no caso de, por exemplo, um acidente, vamos supor, sua família recebe quinze reais. 
__ Ah! Entendi! É... tava bom demais pra ser verdade... E você aí do canto? Já pensou na sua vida? Bom, não precisa mais. Me ocorreu aqui outra pergunta agora. Uma rapidinha. Tipo... (pausa dramática) como você se vê daqui a cinco anos? 
__ Ah... pretendo já ter realizado muitas coisas com a minha empresa e minha querida equipe. 
__ Sei. E você? Se você fosse um fóssil de um animal extinto, qual animal você seria e porquê? 
__ Um golfinho de Maui!!! Porque tratamos nossos colaboradores internos com muita sinergia e carinho! 
__ Ótimo. E você? Se você fosse um país, qual país seria e porquê? 
__ Eu seria... humm... a Austrália! Por causa dos cangurus. Gosto muito dos cangurus e da comida do Outback! 
__ Fantástico! Bom, foi ótimo conhecer vocês, muito obrigada pelo interesse em me contratar. Eu vou estar avaliando a ficha de cada um e vou estar escolhendo quem vai fazer o teste psicológico. 
__ Teste? – candidatos em coro. 
__ Sim. Um testezinho básico só pra eu saber um pouco melhor qual é o perfil de chefia que vocês apresentam, para evitar surpresas, né? Então é só aguardar que, se eu quiser, mando a minha secretaria enviar um e-mail seco e formal pros que eu já vou dispensar e um e-mail objetivo e seco pros que vão fazer o teste, tá bom? Mas se eu não quiser vocês ficam aguardando pra sempre até desencanarem dessa contratação. Às vezes eu acho divertido fazer isso. Muito obrigada, hein? Dá um beijinho aqui... tchau... tchau... prazer, viu? tchau... tchau... beijo... boa sorte, pessoal!

1 de fevereiro de 2013

Desabafo

O relato não é meu.
É de uma amiga minha.
É da tormenta. Que atormenta todos nós.

Então. Tem um doidinho na rua... Eu sei que ele mora por aqui, mas não sei onde. Ele fica o dia inteeeeeeeeeeeiro na rua, deve ter mais de 40 anos. E sempre vem aqui pedir água.
Quando eu passo na rua, sempre quer conversar. Conta história, pede pra namorar comigo... Enfim. Geralmente ele tem alguma história sem pé nem cabeça e bem triste pra contar. Um dia ele chegou fazendo barulho de choro e pedindo ajuda pelo amor de Deus. Até me assustei.

__ Moça, pode um negócio desse? Me ajuda aqui, pelo amor de Deus!
__ O que você precisa?
__ A mulher aqui, a mulher aqui moça!, tá fazendo macumba pros outros!

Aí eu olhei e disse:

__ Deixa ela, não se preocupa, essas coisas não funcionam.

Ele parou de fazer o barulho de choro e começou a perguntar se eu tinha namorado... Picareeeeeeeeta. Ele nunca chora, sempre faz o barulho de choro pra chamar atenção...

Agora há pouco fui ao banco, apressada. Ele me puxou:

__ Você pode me dar um conselho?
__ Não sou muito boa nisso não...
__ Você acha que eu devo empinar papagaio?
__ Claro! É legal, não é?!
__ Mas não é melhor estudar?
__ Estudar também é ótimo.
__ Mas eu já estudei, fiz o colegial, agora tô fazendo medicina. Quero ser médico, já tô acabando, mas (barulho de choro) sabe... às vezes eu quero morrer.
__ Morrer pra quê? Não... Ainda tem que viver muito. As coisas vão melhorar.

Daí não me lembro do diálogo todo, mas lembro que o consolei e ele mudou de assunto de novo parando de "chorar" imediatamente e sorrindo.
Na volta ele veio de novo:

 __ Ai ai, eu acho que morri e ninguém percebeu. Eu queria morrer...