30 de dezembro de 2010

Para uma menina com uma dor

Levou o pra sempre dela até que tudo o que eu carreguei ficasse visível. Os sentimentos ela foi digerindo a prestações, como uma dívida que não se pode pagar de uma vez só. Devia para si mesma satisfações daquele vazio imenso e não dava conta de negociar com sua sanidade o tempo que levaria. A qualquer precipitação da saudade, respondia com conspirações infinitas. Filme, cereja, memória, batida, proposta, batata, vermelho, limão, insônia, velocímetro, mel, vidro, ninho, excesso e clave de sol. Eu, do meu perto distante, predizia seus passos incidindo que ela parasse, mas minhas preces não tinham crédito desde aquela vez que dividi meu lanche na terceira série. Alterava minha perspectiva do teto para pensar com mais possibilidades o que ela estaria fazendo às 11h11, 12h12, 00h00. Meus minutos eram dela sem que nenhum de nós dois soubesse. Eu não sabia bem o que fazer do meu tempo a menos, então não me despedia. Ficava ali, mesmerizado naquela aranha. Ela tecia sua teia e eu acompanhava cada movimento, mosquito, refeição. Minha vida era dela, daquela sujeira na janela, do ventilador, todo tempo que não tinha mais a dor da menina em minhas mãos. Comigo ela sofria, mas eu estava ali, fazendo doer e assistindo. Do meu quarto eu só assistia o passado na minha versão e crença, e não levava sorrisos em contrapartida.

Para a menina, a minha dor de presente, em sua compensação. Meus não-sorrisos todos, minha falta de inspiração. Vitral, calor, clarabóia. E meu desejo de que o pra sempre dela passe na frente do meu.

28 de dezembro de 2010

Na praia

Lindo. Uma graça. Fiquei olhando ele se movimentar com elegância na minha frente. Passava, pra lá e pra cá, desfilando seu modelo de sunga comum.
...Olhos e cabelos castanhos, sobrancelhas expressivas. Reparei que, de leve, ele estava flertando com a possibilidade de estar ali mais perto.

_ Oi.
_ Oi - ele respondeu surpreso.
_ Qual o seu nome?
_ Lucas.
_ Quantos anos você tem, Lucas?
_ Sete.
_ Quer brincar?
_ Quéééééro!

7 de dezembro de 2010

Indecifrável

É que tem hora que a gente não se diz e vem alguém e faz. Não sabendo do que eu falava, ele disse mais do que diria se soubesse, quando disse que "a distância impõe uma série de protocolos de distância. Ou você se acostuma ou não".

Ele falava do Feminino Inicial. Eu, do masculino. Mas dava na mesma.

...toda lembrança é uma saudade que foi vivida pela metade. Toda relação encerrada é como se os olhos ficassem doentes. Desaprendem a olhar. Os olhos de dentro são diferentes do de fora. Os de dentro transam com o timo a toda hora.

Não pode haver espaço para sonhos. Não existe onirismo quando há a possibilidade do tato. O máximo que se pode deixar alguém é na modorra do gostar. Nesse estado é possível provocar o susto. É como se naquele momento que antecede a passagem do sonho a memória precisasse sofrer um assalto. O amante precisar ser um ladrão de sonhos. É roubar o protagonismo de Freud.

Amor não tem projeto para futuro. Os romances mais premeditados pelos corpos acontecem pelo acaso das almas. Certas liberdades se disfarçam, na maioria das vezes, de solidão. Amor bom começa embaralhado para chegar ao final completo. O que importa numa relação é a incerteza do limite.

Sou um provençal no amor. Me rasgo, atassalho, me sangro e arranco o cascão sem pudor. Vejo as cicatrizes mais límpidas com o sangue cristalizado. Todas as minhas raízes ficam sempre à mostra porque elas adoram publicidade de dores.


Do Jornalista Bossa Nova.

4 de dezembro de 2010