29 de abril de 2010

Photos by Donna




E para não ouvir dizer que meu blêfe é encantador, mando provas cabais da pequena, cuja realidade nada teve de poética antes da narrativa que a salvou. O nome é Ella Fitzgerald.







28 de abril de 2010

Homo Humanus

Ela a tinha visto na rua e não podia abandoná-la uma vez mais. A pequena estava chorando, frágil e indefesa. Já tinha sido abandonada por sua mãe biológica e de novo e de novo por todos aqueles que passaram e optaram por deixá-la onde estava, ou porque não a viram.

Ela não tinha um bom momento nem um bom lugar nem muito menos um bom dinheiro pra adotar assim aquela menininha que precisaria de tudo e mais. Então a pegou, porque outra coisa não poderia ter sido feita, a menos que seu caminho não tivesse sido pela beira da calçada daquela tarde quente. Chegou à casa chorando sob a constatação de tanta maldade no coração humano. Deu-lhe banho, alimentou e aqueceu. Sorriu, riu, abraçou, apertou, balançou, cuidou, deu remédio.

Em pouco tempo, começou a espelhar sua mãe ao olhar que estava sendo mãe também. E não gostou do que viu. Sentiu que a pequena poderia odiá-la por ouvir tantos nãos ou por ter hora certa de dormir. Entrou em depressão, se culpou, culpou sua própria mãe, seu próprio Deus, depois o acaso e nada mais. Reviu toda a sua vida. Passou dias chorando, com os olhos pendurados no teto, sem enxergar um palmo diante de si, em choque pela dor que era pensar “ela vai crescer e vai me odiar!”. Mas trancada não pôde pra sempre. Num dia seus olhos tiveram que largar aquele bege desbotando e pousar no amparador de suas vontades, os azulejos corajosos até o asfalto, até o mercadinho. Chão e passos se apoiando.

_ Um quilo de ração, por favor.

27 de abril de 2010

À La Beat

Eu ia subindo um penhasco até chegar naquelas ruas de dobras fáceis e numa esquina o velho índio forte disse onde que eu podia encontrar e eu fui lá pra ver como estavam as coisas que eu tinha deixado quando vi pela última vez o velho que me indicava o caminho da menina de cabelo longo que dançava ingênua até cair tonta onde estava na calçada suas cores no sol da manhã e meu corpo doía mas não tinha problema qualquer lugar era sublime naquela calçada enquanto alguém dizia e nós íamos comer mas ela vomitava e não era da morfina talvez picada morena seus olhos carnes - era linda.


photo by Camila Caringe


...Minha homenagem a toda uma geração...

26 de abril de 2010

A bordagem

Ser homem não deve ser fácil e eu posso entender isso. Mas será que é tão difícil assim???
Bem, pelo sim e pelo não, vou dar umas dicas:

- Homens: nunca, jamais, em tempo algum, tire uma menina de sua roda de amigos arrastando-a pelo braço. Mesmo que o assunto seja da maior importância. A menos que vocês já estejam juntos e que sua mãe tenha morrido, não faça isso. Muito menos na primeira aproximação. Não dá nem pra ouvir o que é que vocês querem depois disso. Aliás, evitem tocar também. Mexa no seu cabelo, não no da menina, a menos que ela consinta. Essas aproximações precoces nos fazem querer sair correndo!

- Nunca faça elogios efusivos aos atributos físicos de uma mulher (que você não conhece ou conhece pouco) pra ela mesma. Não importa as bobagens que passem pela sua cabeça, muito menos o que você diz aos seus amigos. Seja generalista. “Você é bonita” basta pra começar. Jamais diga coisas como “Seu peito é bonito”. Não. Nããããoooo!!!

- Não fume. Mas, se fumar, faça isso longe de nós. Mesmo as que fumam, pode apostar, fazem um esforço danado para manterem-se cheirosas o dia inteiro nesta poluição de meu Deus. Fazemos manutenção do perfume, do desodorante e da maquiagem às vezes várias vezes por dia. Então, por favor, não bafore na nossa cara.

- Não diga o quanto você é bom, o quanto você sabe, o quanto você já fez, o quanto demais você é. Não seja afobado, confie em nossa inteligência e deixe que fazemos nosso próprio julgamento. Obrigada.

- Não fale das ex. Isso nos interessa e perguntaremos quando quisermos. Caso não perguntemos, não mencione seu passado. E, quando mencionar num belo dia em que seu passado sexual/afetivo seja nossa pauta, fale como se tudo tivesse acontecido em outra vida. Teatralize a questão e responda como se nem se lembrasse. Vale franzir a testa e fingir que é um grande esforço se lembrar de qualquer coisa antes de você conhecer a atual. Responda somente o que for perguntado e após cada sentença, adicione: “não era como você”.

- Não traia. Conheço muitas mulheres que considerariam a hipótese de um relacionamento aberto, algumas que já o tiveram, poucas que se deram bem com isso. Mas não conheço nenhuma que toleraria a traição. Não que não haja. Mas daí vai de você querer uma mulher com auto-estima ou sem.

- Não se drogue. As mulheres têm a atenção multifocada e detalhista, ou seja, você, homem, já está naturalmente em desvantagem em relação a nossa minúcia e destreza lingüística. São poucos os casos em que você conhece uma mulher numa situação em que sua prova de matemática pode ser o assunto. Então, facilite as coisas para você mesmo: não use entorpecentes, a menos que as mulheres sóbrias não façam seu tipo.

- Não use clichês. Pelo amor de nosso senhor, prefiram o silêncio. Frases como “o cachorro tem telefone?” só servem pra gente rir e apertar o passo.

- Seja homem. Não conheço mulher que goste que seu acompanhante faça as unhas. Mantê-las limpas já tá bom. Base é demais. Hidrate seu rosto só se estiver esturricado, do contrário, mantenha-se longe de cosméticos e frescurinhas. Isso é coisa nossa.

- Saia da casa dos seus pais. Nós, mulheres batalhadoras, não vemos com bons olhos os marmanjos que ficam com papi e mami além do necessário. Siga sua vida, seja independente, tenha autonomia, aprenda a cuidar de si.

- Seja um bom filho. Um homem que grita com a mãe não está no sonho de nenhuma mulher. Eu garanto.

- Cuide dos presentes que ganhar. Mesmo que seja só um bilhetinho. Guarde com todo o carinho, porque nós, mulheres, adoramos testar a importância que vocês atribuem a nós através da importância que vocês atribuem ao que damos a vocês.

E, a última, pra fechar com chave de outro: conquiste primeiro. Depois, pode fazer o que quiser. Coração de mulher costuma ser leal por um tempo mínimo de um ou dois anos. Seja esperto.

23 de abril de 2010

I know what it feels like...



...Once I had a teacher too... And he went away...

22 de abril de 2010

The ladies room

O banheiro feminino é um celeiro de boas novas, más novas, tecnologias novas e novas. Conselhos, regimes, consultas rápidas, compartilhamento de experiências com o cachorro, o filho, o namorado, o cabelo, a pele, a mãe e Deus. De vez em quando alguns flagras valem à pena, como alguém arrumando o cabelo enquanto fala com a outra, na casinha:

_ Ah... sei lá. Tô boba... rs
_ Boba?
_ É! Boba! Tô assim esses dias...
_ Por quê?
_ Ah... sei lá... Tô apaixonada.
_ Mas você não namora?
_ Uhum.
_ E faz tempo, não faz?
_ Faz! Então! É por ele mesmo que eu tô apaixonada.
_ Pelo mesmo?
_ É. Me apaixonei de novo. Sabe cumé? Me apaixonei outra vez pelo meu namorado.

Uhum. Eu sei como é. Mas, embora pareça, não é um quarto. É um banheiro.
Ajeitei eu o meu cabelo também e saí sem dizer:

_ Aaaahhhhh... sim! Eu sei, sim! Sei como é. Mas não fala pra ele senão ele monta, viu?

19 de abril de 2010

Como fazer cessar a resistência: render.

Eu era recém saída de um show de blues 10 vezes melhor do que aquele no Saloun de Georgetown. Depois de conhecer todos os caras da banda e todos os seus convidados, além da namorada do guitarrista e de um jornalista paulistano radicado em Brasília (vai entender!), saímos.

Ainda com o corpo dolorido de tanto dançar - o que até rendeu elogios da própria banda, que alegou nunca ter visto uma galera tão animada - fomos subindo a rua, sublimados e exaustos.

Daí parei. À visão daquela casa tão bonita, de tijolos branquinhos e um algo romântico, tive que parar. Fiquei olhando praquelas janelas compridas lá no alto e meus olhos foram descendo até pousar nos dois rapazes sentados à porta, num banco de madeira. Eles pararam de conversar e também me olharam.

_ Oi! - eu disse.
_ Oi! - eles responderam em uníssono.
_ O quê é aqui?
_ Um ateliê.
_ De moda?
_ É. E lá em cima funciona um salão de beleza.
_ Hum... Que casa bonita!
_ É. Vem aí durante a semana pra conhecer.

Ousada como estava e sou, acheguei-me à porta.

_ Hum... Um ateliê... Por isso aquele manequim... Bonito o vestido! Você é designer de moda?
_ Sou sim. Gostou do vestido?
_ Uhum!
_ Quer ver?
_ Quero!!!
_ Tá. Vem.

Entramos e o Alessandro foi me mostrando tudo. Vestidos, camisas e até uma calça-meio-saia que ele fez pra Vanessa da Mata. Olhei tudo e voltamos pro banco na porta.

_ Sabe, eu tava aqui falando com meu amigo, Del, sobre uma peça que vimos esta noite. Se chama A Alma Imoral e...
_ Ah!!! Eu já vi duas vezes!!! É demais!!!

Ficamos conversando sobre a peça, tradição, traição e transgressão, até que mais gente saiu do que fora um show de blues minutos antes. Ao ver o papo empolgado, elas passaram devagar, num jeito de tentar nos entender. Aproveitei pra dizer que ali funcionava um ateliê e em cima um salão de beleza. Levei-as pra dentro e aproveitei pra mostrar a calça-meio-saia que parece calça quando você anda e saia quando você tá parada, feita pra Vanessa da Mata. Expliquei que a especialidade era origami em tecido e elas ficaram encantadas e começaram a perguntar o preço. Chamei o Alê pra responder às dúvidas e voltei pra fora pra conversar mais com o Del.

_ ...E eu tenho uma irmã na Austrália, uma na Dinamarca, irmãos aqui em São Paulo. Mas minha família mesmo tá toda lá em Pernambuco.
_ E sua mãe não ficou triste de você vir também?
_ Não! Minha mãe é uma mulher maravilhosa. Ela sabe que filhos são pro mundo.
_ E você não sente saudades dela e dos seus irmãos?
_ Sinto.
_ E aí?
_ Saudade não é uma coisa que você desliga, que você corta. Você nunca interrompe a saudade. Você vive com ela.
_ Mas saudade dói...
_ Não! Dói pra você? Pra mim não...
_ Pra mim dói! É um sofrimento!
_ Não! Nossa... não é não! Eu não sofro. Saudade é um sentimento bom.
_ Mas é um vazio, uma falta.
_ Não... A distância não termina com o afeto e afeto não pode ser sofrimento.
_ Você não sofre por isso?
_ Não.
_ Pelo quê você sofre?

Ele parou, olhou pro horizonte curto, que ia até o outro lado da rua. Mexeu os olhos num jeito de se examinar a si mesmo, olhando pra fora, mas vendo por dentro.

_ Você não sofre por nada?
_ Olha... Eu procuro viver a vida pela perspectiva do positivo, do prazer, não do sofrimento. Eu fico triste às vezes, mas sofrer... Não... Sofrer não.

Encantada.
Minutos depois, me despedi do desconhecido-irmão e fui pra dentro da casa, dar um tchau pro Alê também.

_ Que signo cê é? - ele me perguntou. E respondemos juntos:
_ Sagitário!
_ Como você sabe?
_ Ah... Porque você é a típica sagitariana. Olha isso! A menina tá até experimentando as roupas. São três e meia da manhã e meu ateliê estava fechado. Você não só abriu, como trouxe mais gente e ainda vendeu minhas roupas! Adorei te conhecer. Foi um prazer, Camila. Obrigado.
_ Magina! Prazer foi meu em conhecê-lo. Nos veremos de novo. Beijo!

Saldo da noite: uma Bia, namorada de um Celso Salim que toca com um Sérgio Duarte (gaita), um Paulinho (batera) e um Márcio (baixista, cuja mesa estava reservada até eu me apossar indevidamente). Mais três caras gaitistas, uma vocalista maravilhosa... Um Gabriel (jornalista), um Alessandro e um Del (estilistas). Mais as roupas do Alê que eu vendi... hum...

É. Foi uma boa noite.

16 de abril de 2010

Pittoresco

Eu mesma já vi muita coisa suspeita nessa vida, como a minha irmã ganhar o prêmio de uma rifa que ela mesma vendia, por exemplo. Agora, tele-sena como moeda nacional não conhecia. Mas daí passou lá na frente de casa um alto-falante de carro:

“Pamonha, pamonha, pamonha!
Pamonha fresquinha!
Temos cural e pamonha!
Corra que já está acabando!”

Até aí já é bem suspeito que haja duas gravações: uma pra quando a pamonha estiver acabando e outra pra quando ainda tiver bastante. Ou será que o alto-falante já começa anunciando, às 6h da manhã, que a pamonha está acabando? Será que é pra causar uma espécie de pânico social e precipitação coletiva em direção à (toda) pamonha restante?

“Pamonha!
3 por apenas 2 reais!
E traga sua tele-sena!
Trocamos tele-sena por pamonha!”

Opa!
Aí é negócio, hein?
Procurei a dona da voz feminina dentro do carro, mas me deparei com um baixinho bigodudo.

Hummm...

Voz de mulher + 3 por $2 + já tá acabando às 2h da tarde + tele-sena serve + bigodudo

...Não.
...Mesmo que eu gostasse de pamonha...
Vai que é de ervilha!

13 de abril de 2010

Um outro dia daquele mesmo outono

Depois de sentar na beira da fonte, brincar no balanço sem ser pega pelo guardinha, olhar as crianças brigarem por um graveto, ser o personagem da obra dele na areia, tentar ler os nomes no coração de estilete na árvore e examinar de perto os cogumelos pretensamente alucinógenos que cresciam brancos feito conchas cravadas num tronco, perguntei pra ele:

_ Você se acha diferente da maioria?
_ Acho.
_ Por quê?
_ ...
_ O quê a maioria faz que você não faz? O quê a maioria tem que você não tem? O quê te faz diferente?

Ele pensou e disse, numa verdade tão sábia quanto simples e justamente por isso:

_ Eu sou diferente porque a maioria prefere ficar do outro lado do portão do parque.

Olhei pr’aquele verde, pr’aquela meia dúzia de gente e sorri diante da constatação.

_ Ótima resposta.

Algum tempo depois ele me perguntou se eu estava bem. Eu disse que sim, mas que era um equilíbrio frágil, como uma ponte que você não pode pular em cima.

_ Mas pode passar devagarzinho...
_ Sim. E em silêncio.

Aí, quando não dava mais pra ignorar a fome que nem a falta de apetite vencia, sentamos no MacDonald’s.

_ Viny... Olha ali... A moça tá com roupa de ginástica... Ela devia estar malhando. Mas daí sai da ginástica e vem pro MacDonald’s??? Bizarro, né?
_ Não... Cê não entendeu. Vou te explicar a lógica: algumas pessoas gostam muito de MacDonald’s. Mas daí, pra poder comer sempre que quiserem, elas fazem exercícios, pra compensar. Entendeu?
_ Ah... Eu como sempre que eu quero e não faço exercícios!
_ Bom... Nem todo mundo tem a sua sorte – disse ele me apontando.
_ Mas ela também é magra!
_ Ela é magra porque malha.
_ Hum...
_ Mas pode apostar que a coca é zero!

A gente pegou o metrô e ele me deixou na catraca, depois de enxugar minhas lágrimas nas mangas da blusa dele.

_ Obrigada...
_ Eu que agradeço.

Fiquei pensando se ele me agradeceu porque gostava muito de que alguém molhasse as mangas da blusa dele com lágrimas, mas não tive ânimo de perguntar e só acenei.

5 de abril de 2010

Nobody said it was easy