30 de abril de 2012

Termo

O diabo é que não se escolhe data ou maneira.
Sensação intrusa de terra beber os mares de nós vestidos,
devolvendo à alma sua natureza de ser alma.
Até estar livre do cálcio, ninguém me engana.
É lá que se entretém a liberdade.

26 de abril de 2012

Dos gêneros (despretensiosamente)

_ Pois é. E levando-se em consideração o histórico, ainda por cima...
...Acho que vou simplesmente ignorá-lo. E é obvio que ele continuará estrebuchando...
...E eu continuarei ignorando. Sabe... eu tento fazer acordos. Mas não tem jeito, né? Algumas pessoas não têm jeito. Os homens são muito malandros. Tenho aprendido isso da pior maneira.

_ =/

_ É... Pois é... Triste, né?

_ As mulheres também fazem isso...

_ Não... as mulheres têm outros apelos. São mais honestas consigo mesmas, eu acho. Homens inventam desculpas para si mesmos.

_ Olha... Num sei não... Preciso pensar mais nisso.

_ Sabe aquela coisa que ouvimos? "As mulheres têm seis vezes mais religiosidade em potencial do que o homem." É claro que é uma contemplação mediana. Mas é isso. A capacidade religatória (do humano com o divino) vem desse contato consigo mesma, eu acho. Mulheres sabem mentir para outras pessoas, mas acham mais difícil mentir para si mesmas. Elas sabem o que estão fazendo. Os homens enfiam os pés pelas mãos. As mulheres calculam, seduzem, são sutis e freqüentemente mais hábeis em chegar aonde desejam. Mulheres agem em rede, perguntam caso estejam perdidas no caminho. Homens são hierárquicos, recusam ajuda. É o que eu acho...

_ =D Elas são lindas mesmo, né? Nossa...

_ "Elas" quem? As mulheres em geral? rs

_ AS MULHERES EM GERAL.

_ Rs... Ah... não sei... Eu gosto muito de ser mulher. É o meu gênero preferido, eu acho. Mas a força masculina tem efeitos hipnóticos sobre mim. Preciso muito deles. Meu universo sem o masculino fica fofo e afunda quando eu piso. Não é seguro, é emocional em demasia. Preciso conviver com homens, com a teimosia, com a dureza, a obstinação. É uma necessidade orgânica, sabe? Engraçado isso...

_ É muito interessante como isso se processa, né? Como é físico, como é químico e metafísico... rs

23 de abril de 2012

Inveja mútuanônima

Ah... fui chegando lá na praça lá de cima onde fica a banca das fruta, que sempre fica coisa pra jogar fora deles, né?, e eu pego no cesto. Tava noite e tava frio. Eu tava bem segurando esse aqui, né?, sempre, que tem minhas coisa. É poucas coisa, mas é minhas coisinha que eu levo... Daí parei na esquina, embaixo daqueles relógio que mostra temperatura. Mexi ali no cestinho que tinha ali no... na... na frente dos banquinho ali, né?, verdinho. Mexi tudo, tal, num tinha nada não. Só tinha uns menino mais pra lá assim, né?, que eles fica conversando às veiz que eu passo vejo gente lá, ali falando, que a banquinha faz suco... faz... essas coisa, tem água de côco, tem... essas coisa, fruta. Eles faz lá. Eu olhei lá os menino, mas não falei nada não, né?, que não conheço. Só vi assim, mais assim sozinha pro lado, uma moça sentada sozinha. Sozinha a menina, de noite. Mas não parecia assim que nem eu, não. Era mais... tava mais, assim, como eu posso dizer... tava ajeitada, né?, com roupa passada, dava pra ver que ela não... Devia ter casa, né? Acho que ela tinha casa e só parou pra... não sei pra quê. Acho que pra pensar um pouco, que a pessoa tem vontade, às veiz, de pensar, né? Acho que foi isso. Mas olhei a menina e assim no frio ela tremendo mas não tava de blusa, não. E sozinha. E assim... com o olhar perdido, sabe? Olhando pro chão... a cara dela não tava nem triste! Não tava nada! Tava só olhando pro chão, pro lado, assim, pra lá. Mas não tinha jeito de... de nada! De nada, não. Só olhando só. De repente olhou pra mim! Eu pensei “nossa! quê será que ela quer, né?” porque ela ficou me olhando assim... como se quisesse alguma coisa, sabe? Mas eu não tinha nada também. Dizer que a pessoa quer celular, carteira, essas coisa eu não tenho. Não tinha nada, só o saquinho, mesmo, que é um saco preto e não tinha nada. Tinha... um cobertor, por causa que... o frio... mas só também. Nem lembro se tinha mais coisa. E a menina olhou... e eu olhei... e ela não fez nada. Nem eu. Ela olhou eu também olhei, né? Fiquei olhando. Parecia que ela queria trocar de lugar comigo e eu pensei “eu trocava, se pudesse”. Claro, né?, que a pessoa... Porque alguma coisa, algum lugar ela devia ter, porque tava com a roupa passada! A pessoa que passa a roupa já... como se diz? Tem, né? Alguma coisa... A pessoa ter ferro de passar roupa e passar a roupa... então... tem roupa, tem ferro e pode passar na casa mesmo, né? Então por isso que eu pensei que ela tinha casa. E eu não. Então até trocava de lugar com ela. Senti uma inveja, assim, sabe? Não coisa ruim que as pessoa deseja tanto não... Era uma coisa assim no coração... que eu queria ter alguma coisa também. Não que não tenha, né? Eu tenho aqui no meu saco as coisinha. Mas... um lugar assim eu não tenho, né? E se a menina tinha então já tava na vantage, pensei. E eu não sei porque, mas senti que ela pensou a mesma coisa de mim. Que eu tava na vantage. E eu não sei porque, mas senti isso assim no peito. Só que foi muito rápido. Não parei pra olhar a menina não, que as pessoa não gosta, né?, que fique olhando muito assim, não. Não faz bem ficar assim parado olhando a pessoa. Daí eu segurei minhas coisa e fui embora andando pra lá que essa rua desce aqui, né?, daí vira... e eu fui pra lá. Mas eu fiquei pensando depois que pode ter sido. Que eu não tenho nada, né, e a menina tem. Mas às veiz a pessoa não quer o que tem. Quer uma coisa que não tem ou não quer nada. Pode ser que ela queria ser eu pra não ter nada... ou pra ter outras coisa... Quer dizer... não sei, né? Tô aqui pensando... Mas... bom... isso porque ela não viu que eu tinha dentro do saco. Acho que se visse não ia mais querer ser eu não e ia pra casa colocar uma blusa a menina. Não sei... É essas coisa que a gente fica pensando, né?, que acontece assim... Não sei.

20 de abril de 2012

Espelho

Tanta vez
Aconteceu de nós
Eu antes de responder
Te ouvir dizer
Saber meu pensamento
Na tua voz

18 de abril de 2012

Inauguração

Nada como ganhar de presente um ato de imaginação lúdico-amorosa-exclusiva.
Entre encontros e desencontros os mortos parecem sempre reviver. O banner novo é uma celebração à amizade que, uma vez edificada, vigora no tempo à caça de nossas disposições.

A arte é do Vitor Massao, a quem dirijo meus sinceros agradecimentos pelos sms’s, plantão 24 horas, nobreza, atenção em plena festa de aniversário, presentes, Manoel de Barros e despertador (faltou os pompons).
Ah, sim! E, claro, pelo banner lindo que agora divide espaço entre nossos modestos escritos.

16 de abril de 2012

Sob meus olhos incrédulos

Naquela madrugada de sábado santo chegamos à mesa do bar os dois cavalheiros, a menina e o cachorro lindo. Mas algo profundo se quebrou no intervalo entre nos sentarmos e nos levantarmos. O laço incorrompível se enroscou nas circunstâncias do debate que eu assistia. Meu nome lançado de um lado para o outro e eu sem poder sacá-lo da roda. Perdeu-se algo valioso entre dois de nós quatro. Não pude fazer mais que testemunhar.

Amizade devia ser casamento.

A propósito das rupturas

Eu sei me separar, mas não sei romper. São coisas completamente diferentes.
Não me lembro de quando usei “nunca mais” sem me arrepender.
Não dura, não pega e eu volto atrás – ainda bem.
É mais elegante simplesmente se afastar. O que vai acontecer depois ninguém sabe nem precisa saber. Porque a vida é o que se faz dela. Pode ser que as pessoas não se encontrem mais. Pode ser que sim. Pode ser que não sintam falta uma da outra. Pode ser que sim. Pode ser que uma delas tenha vontade de procurar a outra. Mas se o “nunca mais” foi posto no meio, tudo fica bem mais difícil, porque daí a reaproximação implica em que alguém quebre o pacto de “nunca mais” alguma-coisa-que-não-tem-a-menor-importância-um-tempo-depois.
Inclusive, muitas rupturas poderiam ser evitadas se o pedido prévio de afastamento fosse respeitado.

_ Olha, por favor, não quero falar com você agora, tá bom? Outra hora, outro dia, outro mês, sei lá. Agora não.
_ Como assim??? Agora não??? Então vamos romper!!!

Não precisava.
Ter que pedir reiteradamente por um afastamento leva a rupturas drásticas e desnecessárias, assim como as mazelas que vão sofrendo um processo de bioacumulação no interior do ser até serem regurgitadas sem processamento direto na cara do colega desavisado, tudinho de uma vez no fim do ano. Não há argumento ou defesa para o que se fez há anos atrás e já se esqueceu. Resultado? Ruptura.
As pessoas têm uma crença na ruptura. Elas acreditam nisso como se fosse solução de impasse ou redenção. Não é. Ao contrário, as rupturas aprofundam angústias. Dia desses conversei com um amigo que citou com pesar um rompimento de amizade. Perguntei sobre o contexto e me pareceu infantil. Ele explicou:

_ Ah... sim... Foi na quinta série.
_ Quantos anos você tem agora?
_ Trinta.
_ E o sujeito não fala com você?
_ Não. Mora no mesmo bairro, nos vemos sempre. Mas ele nem olha mais pra mim.
_ O que você acha disso?
_ Acho que eu errei, mas ele podia ter sido generoso comigo. Eu não percebi. E gosto muito dele até hoje.

Para romper é preciso gostar muito. Ruptura é coisa de quem gosta muito e não vê outra saída para o sofrimento. No desespero, castiga o outro. Mas castiga a si mesmo junto.
As pessoas podiam mesmo ser mais generosas, menos competitivas e apostar menos nos rancores das rupturas.
Eu, particularmente, não acredito em rupturas.
...Mas que elas existem, existem.

12 de abril de 2012

Um homem de muitas palavras

Recuperadas a partir de arquivos gravados em 27 de fevereiro de 2010, as imagens apresentadas a seguir são fruto de uma conversa, entre tantas que tivemos ao longo dos últimos privilegiados anos.

Notável comunicador, Magno Nunes é também um profícuo pensador por baixo de sua máscara. Sensível improvável, ele se distingue entre os bons. “Meu personagem é um homem mau. Eu sou mau que nem o pica-pau.” Ao falar de como as pessoas escolhem suas máscaras sociais desde muito cedo acaba, sem querer, delatando-se. Seu espírito afina-se com o crème de la crème da literatura brasileira. Feminina, ainda por cima. Clarice Lispector também tem sua teoria sobre as máscaras sociais e esse, inclusive, é tema que a interessa na edificação exploratória de suas múltiplas personas representadas.

Na busca de uma imagem impositiva (dominante, no vocabulário nietzschiano) Magno parece ter tido sucesso. Eleito o mais macho entre os machos do 3B (sala de graduação), ele explica: “Não tenho mestre. Que mestre o caramba. Eu não me inspiro em ninguém.” Mas há quem se inspire nele. Eu, por exemplo. Aprendi a guiar um cachorro teimoso com ele. Delicada e mulherzinha, levei bronca: “Assim, Camila. Puxa a coleira e obriga ele a parar. Faz ele sentar. Fala firme. Se você deixar ele te leva!” Aprendi. E aprendi outras coisas também.

“O amor? Ah... o amor existe. Tá por aí, mas existe.” Nada mais platônico do que pensar Eros, o mensageiro entre mortais e imortais, redundando no que existe, por aí, por lá, em todos os lugares. Nele, inclusive. Aprendi o amor com ele, amável inconfesso, Docinho, Ursinho entre as amigas, gentil por excelência, galante, muito galante, muito muito galante (mulheres, cuidado!). Mas ele insiste: “Sou mau à minha maneira.” Sim, pode ser que sim. Ríspido, indiscreto, agressivo eventualmente. E extremamente leal aos amigos.

Sagaz, Magno atropela com seu senso de humor por vezes exasperante, tanto quanto a politicagem, refletida às últimas consequências: “Não existe política. Não temos partidos de direita e de esquerda. É tudo a mesma coisa. Assim é fácil. Eu também quero entrar na política.” Mas não é político o homem que cita com admiração: Wander Wildner. O cantor punk brega é ícone da música nacional no estilo que ele mesmo criou, reconhecido internacionalmente. “Taí, 20 anos de carreira, vivendo do jeito que ele gosta, só fazendo o que ele quer, tocando no Bar B a dez reais. Do nada acabar a banda e criar um estilo não é pra qualquer um, não. Tem que ter personalidade.”

Personalidade. Sua aposta é no alternativo, na contramão, no descaminho. Não bebe, não fuma, não usa drogas. Hábitos límpidos que denotam conservadorismo. Mas é subversivo no que se refere às atividades que assume. Aboliu cartão de ponto da vida profissional. Após algumas experiências frustrantes em empresas de comunicação subdesenvolvidas, Magno olha apenas para o que acolhe sua criatividade. Mexer com o imaginário das pessoas é, no fundo, o desejo para si próprio de expansão e liberdade. À época da gravação ele ainda não estava nas rádios. Hoje está. Seu talento justifica a recusa dos ambientes estreitos. Consultar seus arquivos é um prazer.



10 de abril de 2012

Ressaca da procissão

Vamos supor que você vá dormir às seis. E acorde às nove com o interfone.

_ Alô?
_ Oi! Eu vim buscar Nossa Senhora.
_ Acho que você tocou no apartamento errado.

E desliga.
O interfone toca de novo.

_ Alô?
_ Oi! Eu vim buscar Nossa Senhora!
_ Você tocou no apartamento errado. Ela não está aqui.

E desliga.
O interfone toca novamente.

_ Alô?
_ Eu vim buscar Nossa Senhora!
_ Ela não está aqui!

E desliga.
O interfone toca mais uma vez:

_ ALÔ?!?!
_ Oi! É o pedreiro!
_ Ah... Entra...

E a voz ao fundo de alguma senhora:

_ Nossa, que ignorante...

8 de abril de 2012

A vingança dos sucrilhos

Sei sobre duplas sertanejas. Algumas. Particularmente aquela que canta na pizzaria perto de casa aos finais de semana. Não é boa.
E de crianças. Fiquei muito tempo no parque vendo dois meninos pequenos gritarem pras bolinhas de sabão que o pai fazia.
E sobre grama, árvores, irmã e as coisas sem nome.
E sobre os gritos. Eu desisti dos gritos ainda pequena, no final de um recreio como todos os outros. Não gritei mais, não pulei, não saí correndo. Eu sei gritar, mas não quero.
Coisas intoleráveis. Sei algo também sobre o intolerável. A intolerância, por exemplo, não é tolerável. E mais um monte de coisas. Mesmo as boas. Quando é bom em demasia também não pode ser tolerável. Nossa ranhura não suporta o muito belo. Nascemos com a fenda. A fragilidade é o pecado original, não o coito entre os padres nossos. Há uma rachadura no espírito das gentes que sucumbe na pressão das coisas belas. Eu sei também sobre coisas belas. Mas sei mais das coisas belas o feio delas. Reconheço o que é bonito porque aprendi antes a reconhecer o que é feio.
Aprender. Sei sobre aprender. Aprender é perceber algo que faz mudar a conduta. Não é orgulho não mudar de conduta. É sinal de teimosia. Sei sobre isso também. E sobre o que rompe a resistência. A água polindo a pedra de milênios. Sei sobre ter aulas, sei sobre poesia.
De sucrilhos, não sei nada.

6 de abril de 2012

Quem há de se reconhecer?

"[...] Exemplos da expressão "constrangida" são designados como ofensa, ciúme e inveja. Em cada caso, um traço marcante da conduta é o auto-engano destinado a ocultar as fontes genuínas da ação. Por exemplo, o indivíduo 'tem uma opinião muito elevada de si mesmo para tolerar a idéia de ter agido erradamente, e assim apela à ofensa para desviar a atenção de seu próprio deslize, o que consegue identificando-se com a parte prejudicada... Obtendo-se satisfação em ser a parte prejudicada, deve-se inventar erros para alimentar a autocondescendência'. A natureza autônoma da ação é, portanto, suprimida – é a outra parte, acusada da má conduta original, do delito que deu origem a tudo, apresentada como o verdadeiro ator do drama. O eu permanece, assim, totalmente do lado receptor. Sofre as ações dos outros em vez de ser um ator por direito próprio.

Uma vez abraçada, tal visão parece propelir-se e reforçar-se por si mesma. Para manter a credibilidade, o ultraje imputado à outra parte deve ser mais assustador e acima de tudo menos curável ou redimível, e os consequentes sofrimentos das vítimas devem ser declarados ainda mais abomináveis e dolorosos, de modo que a vítima autodeclarada possa prosseguir justificando medidas mais abomináveis e duras 'em justa resposta' à ofensa cometida ou 'em defesa' contra ofensas ainda por cometer. As ações "constrangidas" precisam negar constantemente sua autonomia. É por essa razão que elas constituem o obstáculo mais radical à admissão da soberania do eu e a que este atue de maneira consoante com tal admissão.

A superação das restrições auto-impostas mediante o desmascaramento e a desvalidação do auto-engano sobre o qual elas se baseiam emerge assim como condição preliminar e indispensável para dar asas à expressão soberana da vida – uma expressão que se manifesta, em primeiro lugar e acima de tudo, na confiança, na misericórdia e na compaixão."

Amor Líquido, de Zygmunt Bauman