29 de novembro de 2012

Notas da liberdade


O sono é acomodação do sujeito a si mesmo. Quando o sujeito se encontra ele repousa em si, adormece, embriaga-se. O estado de vigília é o desencontro de si. O despertar, no entanto, é traumático, porque a descoberta do outro o é. Mas, se o conhecimento é condição para a superação do trauma, então, para Lévinas, a superação nunca acontece. O outro nunca será objeto de conhecimento, de tal forma que estar com o outro será sempre um trauma. No entanto, Lévinas nos pergunta: se víssemos a humanidade no próximo, seríamos capazes de atentar contra ele?

Não é a partir do ser geral que ele vem ao meu encontro. Tudo o que dele me vem a partir do ser em geral se oferece por certo à minha compreensão e posse. Compreendo-o a partir de sua história, do seu meio, de seus hábitos. O que nele escapa à minha compreensão é ele, o ente. Não posso negá‐lo parcialmente, na violência, apreendendo-o a partir do ser em geral e possuindo-o. Outrem é o único ente cuja negação não pode anunciar-se senão como total: um homicídio. Outrem é o único ser que posso querer matar.
Eu posso querer. E, no entanto, este poder é totalmente o contrário do poder. O triunfo deste poder é sua derrota como poder. No preciso momento em que meu poder de matar se realiza, o outro se me escapou. Posso, é claro, ao matar, atingir um objetivo, posso matar, como faço uma caçada ou como derrubo árvores ou abato animais, mas neste caso apreendi o outro na abertura do ser em geral, como elemento do mundo em que me encontro, vislumbrei‐o no horizonte. Não olhei no rosto, não encontrei seu rosto. A tentação da negação total, medindo o infinito desta tentativa e sua impossibilidade, é a presença do rosto. Estar em relação com outrem face a face – é não poder matar. É também a situação do discurso.

LÉVINAS

26 de novembro de 2012

Registros – do que a gente aprende


“...E eu estava conversando esses dias com o meu melhor amigo, que é alguém de quem eu até pensava que... poxa... ele foi um cara que fez escolhas erradas e fracassou, né? Mas daí, conversando com ele, eu levei um tapa na cara. Não é nada disso. 

O cara mora num cortiço lá. Um só quarto com uma cama de casal, um guarda-roupa, um fogão e uma geladeira. Só. Não cabe mais nada. E é um lugar onde você anda com as perninhas apertadinhas assim, sabe?, porque senão não dá pra andar. E pensa: o sujeito com 22 anos, 22 anos, dormia na mesma cama o pai, a mãe e ele. 


Bom, ele conheceu aí uma menina numa balada. Daí dormiu com ela, ela engravidou, enfim. Teve o bebê. Então passou a dormir na mesma cama de casal o pai, a mãe, ele, a mulher e a criança. Eles se casaram. 


Esses dias sentamos para conversar e eu fui contar minhas peripécias de solteiro, já que ele casou e não me acompanha mais. Em determinado momento eu falei pra ele: “Mas cê não acha que cê perdeu muito por ter se casado tão cedo?” E ele me respondeu: “Pode ser. Mas ganhei muito também.” 


Eu olhei pra ele e senti a sinceridade. Quer dizer, o cara tem outros valores, cultua outras coisas... Foi uma lição de vida pra mim.”


22 de novembro de 2012

Da série - Rascunhos

[SEMPRE TEM QUEM NÃO COLABORA]



19 de novembro de 2012

Love and Rubbish - Why Poverty?


“Love is when you find one another and you love each other so much that you can’t be apart, even for a minute.
Then you gradually start a family, not immediately, but gradually. And you live together to the end of your life, if you love each other.”



16 de novembro de 2012

Breve vacilo de Julieta


_ E se me deixares, Romeu, se me deixares? Se, pior, caso-me contigo e nosso grande amor segue a rota das paixões vulgares? E se dou a ti, Romeu, o sangue de um primo, a honra de antepassados, família, futuro, vida, a cintilância de meus melhores dias, o fulgor minha alegria e te enfastias?
Romeu consideraria.
Após longa pausa, advertido do risco e como a querer proteger sua amada, avisa de nobreza nata a mais pura franqueza: a fraqueza.
_ ...Não sei.
_ Aceito!

13 de novembro de 2012

José Idôneo


11 de novembro de 2012

Coisa de esperar


_ Vou arrumar um cachorro.
_ Sério?! Bonito? Grandão?
_ Não... um vira-latinha mesmo... É que tô com muita vontade de lidar com gente. Mas é tão difícil... Acho que com um cachorrinho vai ser melhor...

9 de novembro de 2012

O caro sai barato


Com o trajeto automático de cabeça podia usar aquele tempão pra pensar várias coisas. Pensou churrasquinho. Saiu de casa às sete para chegar às nove, bateu o portão da frente e foi descendo a rua. Andou 20 minutos, pegou a perua pro terminal e depois o ônibus intermunicipal. Na estação Armênia do metrô parou na banquinha habitual e pediu o combo: palito, a carne espetada na madeira, com direito à banhar na farofa e o suco de laranja. Comeu no atraso e foi pagar normal, que nem toda vez:

_ Tó.
_ O churrasco aumentou um real aqui, visse não? – e apontou o rabisco no preço. O outro gelou.
_ Ah, mas você não me avisou!
_ Como não avisei? Você não perguntou!
_ Eu não perguntei porque é sempre o mesmo preço!
_ Bom, pois agora não é o mesmo preço e tá faltando um real.

Valendo-se da boa altura de nascença, o cliente explicou pedagogicamente, mas já sem toda aquela diplomacia, que não pagaria nem mais um centavo pela injustiça.

_ Ah, não vai pagar? E quer dar de macho pra cima de mim? Pois venha, moléstia, bubônica, filho de uma rapariga – a faca já acompanhando o desenrolar da oposição.

Cliente de um lado, churrasqueiro do outro, a platéia abriu pra dar mais palco. Marcão saiu na carreira e o credor atrás de passador na mão. Sei não como foi de cera que escorregou na fuga, foi-se embora pro matinho da margem e não conseguiu conter a queda pra dentro do Tietê. Barriga cheia, ficou boiando no meio de tudo lá até ajuda vir buscar. Custou caro o lanche, mas um real não dava não. Porque não tinha. Senão ia faltar pra chegar no trabalho aquele dia.

6 de novembro de 2012

Da série - Rascunhos

[RETRATO DA NOSSA CAMA GRANDE]