26 de agosto de 2010

Minha história de um outro + inesperadas

Meu rapaz estava no ponto de ônibus e, antes mesmo de chegar, avistou da esquina um senhor de uns 40 ou 50 anos, desse tipo de senhores magrelos de 40 ou 50 anos, baixinho e descuidado. Vestia roupas simples, mas aparentemente limpas.

O senhorzinho falava alto e desimbestadamente, estilo personagem da Praça é Nossa. Ora cantava um pai nosso, ora dizia que a cobra havia roubado a pinga dele. Chegou a pedir um cigarro, ao que o rapaz respondeu que não tinha - o que era mentira, diga-se. Pediu então a outro, e foi acender com o mesmo rapaz que lhe negara.

De repente, inadvertidamente, começou a batucar numa caixa de fósforos (que dizia ser seu tamborim) e a cantar sambas antigos. O rapaz achou aquilo um bom sinal, afinal, "quem não gosta de samba, bom sujeito não é". O senhorzinho foi cantando, cantando, até que chegou num samba desses que falam de mulher.

...E foi parando de cantar como uma vitrola desligando...

Sentou no banco do ponto de ônibus e desatou a chorar. Colocou os óculos escuros na cara e continuou batucando num tom mais triste.

Foi então que deixou a caixa de fósforos cair. Apalpava o chão e não encontrava o tamborim. O rapaz, num gesto de gentileza que não podia evitar, pegou e devolveu o instrumento, pelo que o senhor voltou a tocar, num tom mais triste ainda.

O pessoal levantou dos bancos pra tomar o ônibus. Ali, talvez pela solidão, o senhorzinho, mais a vontade, se deitou, com as mãos unidas num travesseiro de ossos, e dormiu...

“Lembrei que todos somos assim, flutuantes em nossas emoções, embora ele estivesse mais exaltado, aparentemente em função de uma bebida recente, e de anos de bebedeira... E lembrei o porquê deve ser legal ter uma câmera...” – diria o rapaz ao relatar o ocorrido.

Será que o senhorzinho imaginou que as ações resultantes de sua espontaneidade seriam compartilhadas com várias pessoas que não o conhecem nem vão conhecer?

Eu, particularmente, nunca imaginei que o resultado de um final de semana trabalhado resultaria numa exposição de uma aluna do Núcleo de Comunicação e Educação da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (NCE-ECA/USP):

Não sei voar de pés no chão - Um blog de Amanda Proetti

24 de agosto de 2010

Lendas eleitorais

Queridos leitores, bem sabem que não gosto de falar sobre política no blog nosso de cada dia. E não vou falar. Vou apenas reproduzir aqui um trecho da letra do jingle da Dilma Rousseff para presidente. A música, claro, não fala sobre política. Então estou auto-autorizada a publicá-la:

Deixo em tuas mãos o meu povo
E tudo o que mais amei
Mas só deixo porque sei
Que vais continuar o que fiz
E meu país será melhor
E o meu povo mais feliz
Do jeito que eu sonhei e sempre quis
[...]
Agora as mãos de uma mulher vão nos conduzir
Eu sigo com saudade, mas feliz a sorrir
Pois sei, o meu povo ganhou uma mãe
Que tem um coração que vai do Oiapoque ao Chuí

Pois é. Parece que agora eu tenho duas mães. Quero dizer, três, porque dizem que avó é uma segunda mãe. Ou melhor, quatro, porque ainda tenho minhas duas avós vivas.


Mas, voltando ao assunto central, creio mesmo que esse jingle merecia ser escarafunchado para estudos sociológicos, políticos, históricos, econômicos, semióticos, publicitários e holísticos, colocado como objeto ao lado daquela foto bonita do Lula cumprimentando um menininho negro.





E acho também que certos trechos mereciam entrar para o PENSADOR.INFO, com um link associado à célebre frase de Paola Bracho: “Eu detesto sentimentalismo barato.”

23 de agosto de 2010

Da série: pra quê serve a Bienal?


Da série "Piratas do Tietê", de Laerte

20 de agosto de 2010

Fortuitos

"No matter how rich you become, how famous or powerful, when you die the size of your funeral will still pretty much depend on the weather."

Michael Pritchard

EuropeanCEO Magazine (august-september 2010, page 92)

Que triste infortúnio deve ser para os ricos e sensacionais serem um pouco dependentes das causas naturais para serem menos iguais aos seus semelhantes, hein?

http://www.europeanceo.com/

19 de agosto de 2010

Da primeira vez que machuquei alguém que eu amava

Eu poderia jurar, mas não preciso. Sei que não preciso sequer dizer que não tive intenção para qualquer um que visse meu choro copioso demais para aqueles quatro doze meses. Parecia que eu chorava a vida toda e choraria ainda pra sempre em nome do mal que não me infligiram, mas que eu me infligi a mim quando feri meu pequeno amado.

De pai e mãe a gente mais precisa do que ama no começo. Do amor por eles a gente entende depois, quando não precisa tanto e mesmo assim continua querendo. Mas daquele meu amor primeiro eu nem queria nem precisava. Eu não exigia, apenas doava. Ele vinha porque queria e eu gostava. Era arredio e dócil a um só tempo. Com ele e por ele esbocei os primeiros traços de aceitação.

Kiko, chamava meu gato, cuja alma Deus havia pintado de céu. Quando Kiko estava desperto seus espelhos iluminavam de azul o mundo da terra e eu era mais feliz. De manhã, era o primeiro a acordar. Espertamente, pulava no sofá, depois nas costas do sofá, depois em cima do guarda-roupa. De lá, lançava seu corpinho magrelo em queda livre até a cama dos meus pais. Pisoteava os dois e ganhava, delicado e cheio de saudade, a minha caminha.

Os arranhões que me deixava nos braços eram tantos que eu pensava que tinha nascido com eles. Já faziam parte de mim os arranhões e eu brincava de descobrir letras neles.

Um dia o Kiko estava no meu colo enquanto eu procurava algo pra vestir. De repente, um grito de gato fez eco fundo dentro de mim. Ele gritava e eu gritava junto, sem saber o que estava acontecendo. Ambos gritando e minha mãe chega, libertando as unhas do gato, enroscadas entre as gavetas.

Ao entender o que eu havia feito, chorei mais do que o gato poderia chorar numa vida inteira aquela dor. Abracei-lhe e pedi desculpas, mas eu mesma não me desculpava. Minha mãe me sentou no sofá e trouxe água, pra me acalmar. A água mal encontrava espaço pra escorrer güelinha abaixo, minha garganta apertada que estava.

O gatinho, em lugar de fugir de mim, fez pior e me castigou: aninhou-se no meu colo e dormiu tranqüilamente.

Eu? mais arrasada ainda, chorava ao vê-lo plácido e quente, enroladinho na minha barriga. Queria ávida um perdão já concedido por ele, mas não auto-perdoado. E se ele tivesse morrido, meu Deus????

Chorei os males que não houve, até cessar.
E, antes que perguntem aqueles que me lêem, “sim, eu me lembro”...

16 de agosto de 2010

Mudei.

Mudança é legal. Transtorno, caos, cansaço, sujeira, barulho, bagunça, pó e tranqueira, tirando a parte ruim.
No meu caso, a parte legal se chama Jane, a síndica. Um pouco velha, cabelo um pouco curto, um pouco loiro, a cara um pouco brava.


_ É você que vai mudar pro 28?
_ Sim.
_ Precisa esperar o porteiro chegar pra subir com as coisas.

Olhei pra vassoura, única coisa nas mãos. Não olhei pra dona Jane e respondi “já sei, obrigada”. Peguei o elevador sob o olhar incrédulo dela. No dia seguinte, trocar a fechadura. Dona Jane gentilmente me ameaçou três vezes pelo interfone, mandando o barulho cessar. Era só uma fechadura, no dia seguinte da minha mudança. Todo o processo levou 20 minutos.

_ Vocês insistiram e vão ver só! Isso não vai ficar assim!

Aoun... Ela não é um amor?
Fiquei aguardando o “e seja bem-vinda!” em seguida, mas não rolou.
Alguém se habilita a ser o Tarzan da adorável?
Os interessados, não se preocupem. Ela vem com regulamento interno.

12 de agosto de 2010

Lírico

Eu acho louvável essa tentativa de ser mais criativo no cotidiano, de fazer de uma desocorrência um discurso pávido. Ouvi dizer que foi assim quando da morte de Sir Octavio Frias de Oliveira (1912-2007), cujo velório teve show de variedades e contou até com um presidente. Na redação daquela Folha pesou um climão atípico prum domingo. Não que o clima fosse normalmente muito animado para quem passava a tarde ensolarada privado da macarronada e da luz natural. Mas o 29 de abril foi mesmo um dilema.

“O querido Octavio Frias de Oliveira morreu neste...” – não, morreu não. Pode soar ofensivo.

“Nosso querido Octavio Frias de Oliveira faleceu...” – putz... faleceu? Fica hipócrita, não fica?

E seguiam as discussões sobre como anunciar a morte do chefe dos chefes. Para quem tinha que preencher oito folhas standard em poucas horas, empacar na primeira linha não era prenúncio de um dia feliz. Um domingo, ainda por cima.

Obviamente expressões chulas e vulgares eram incogitáveis. “Bateu as botas”, “pendurou as chuteiras”, “apertou a mão de Deus esta manhã” estavam absolutamente banidas, até porque, pairavam dúvidas sobre a mão de quem ele estaria apertando. E ainda mais essa! Dependendo de onde Dr. Frias estivesse, a vingança poderia chegar mais rápido! E ninguém ia querer ser despedido por um defunto, até porque não tem nem graça, né? Iria ser via fantasma? Via sonho? Via destino infeliz até que a demissão fosse inevitável? Melhor não arriscar.

Mas eu, no lugar deles, seria mais criativa:

“O senhor Octávio Frias de Oliveira (1912-2007) teve uma síncope da qual não retornou na manhã deste domingo...”

“O querido chefe de nosso grupo de conteúdos informativos se ausentou definitivamente deste planeta, deixando sua contribuição eterna aos cidadãos...”

“O cavaleiro da verdade e defensor dos direitos da comunicação neste País foi considerado pelos médicos 100% extinto na manhã deste 29 de abril...”

“Octavio Frias, lamentavelmente, se retirou da vida.”

Não precisa perder muito tempo com isso, vai! Ainda tem a foto!

_ Não... essa não... Aqui ele parece tão abatido...
_ Essa!
_ Não... essa não... Essa foto é velha, não tem nem resolução pra impressão...
_ E essa?
_ Olha essas olheiras! O que a família vai achar disso???
_ Tá...

10 de agosto de 2010

Do inominável

Eu digitei algo do tipo “estralar os dedos”. Daí, acrescentei “ortopedista”, depois “médico”, e o ponto de interrogação. Vários sites que versavam sobre os supostos ou reais benefícios e malefícios de se estralar os dedos foram listados. Num deles, um fórum.

Fui lendo, correndo a barra lateral, até que me deparo com a opinião de um sujeito, cuja foto do perfil não era uma foto de seu perfil. Era um vídeo curto.

Olhei por detrás de minhas lentes moralistas e primeiro fiquei abismada, depois com nojo e, em pouco tempo, nauseada. O vídeo era de crianças. Todas vestidas (calma leitor!), mas dançando. Não sei dizer o que estavam dançando, a música não se ouvia. Mas estavam em uns seis casaisinhos. As meninas, de saia, encostadas na parede, de costas para os meninos. Os meninos de frente pra elas. Eles faziam gestos que imitavam um coito e sorriam para a câmera.

Mas leitor, você ainda não me entendeu. A dança era realmente muito expressiva e o gestual era complexo e preciso. Fiquei olhando pr’aquilo aterrada e enojada, tentando compreender a situação. As crianças estavam super bem vestidinhas e pareciam olhar para a câmera num modo de responder a algum chamamento. O ponto de filmagem estava mais alto e pegava as crianças de cima, o que me faz supor que o responsável era um adulto.

[Camila sai da sala]

2 de agosto de 2010

Anósnão


A gente não decide.
A gente vai decidindo...
A gente não escolhe.
A gente vai escolhendo...
A gente não toma uma atitude. A gente percebe que ela é que nos tomou! e nós?
...Nós não tínhamos escolha, não decidimos nada.


A vida involuntária que vive em nós é que acontece. Um humano é um fantoche do algo maior que lhe sobrevém e sobrevive a ele, que fica depois dele. Nós éramos isso quando a manhã com pena nos encontrava ali jazidos: subalternos da paixão que não faltava pra ser amor. Ela tinha que acontecer, a manhã tinha que se acontecer a si, que acordar a noite, que cumprir sua missão tenra e morna de ser manhã de agosto.

A vontade não é bem o que move o que há, mas a não-vontade, o essencial que nos falta, o que nos falta, o que não é, a falta que faz é que nos suga pra dentro da roda e nos coloca em movimento. A noite podia ser eterna, um instante podia ser estanque, mas o estanque é ilusão que não serve nem mesmo pra ser ilusório. É ilusório o amor que é presente porque se ausenta.

“O amor já está, está sempre. Falta apenas o golpe da graça – que se chama paixão.” (LISPECTOR, 1964)