Após o prenúncio do abismo, seguiu adiante como quem pisa em si mesmo no pisar do chão. Foi-se indo vagarinho, destemido, até o suor fazendo pose na testa, pra ficar bem na ressequidão. Chegou na beira e não parou, porque já havia cogitado ser ali um milhão de jeitos, coçando o queixo e se curvando e sentando e se pondo de pé.
Um milhão de jeitos, tudo estudado na vida, como cair, ralar, quebrar. Conhecia, se conhecia e estava lá mesmo, sem sustento pros pés, vento dentro da barriga, o ar parado de fora lhe entrando e saindo, seu arbítrio estrangulando.
A terceira campainha tocou, as cortinas se abriram e ele aterrissou, corpo, alma e consistência. Um piano lhe caiu no superego e de repente tinha nascido um outro, que lhe emprestara o corpo e, com sorte, devolveria no final.
30 de julho de 2011
27 de julho de 2011
30” a 80km/h
O mundo está farto de Biancas, bem sei. E estamos fartos de muros onde se picha toda sorte de nomes, bichos, rostos, frases e criaturas indistinguíveis. Mas aquele nome sangrando o preto bem na entrada do Bloco 18 me fez cogitar se Bianca era merecedora de uma homenagem, um xingo, ou talvez fosse surda e alguém lhe quisesse chamar por escrito, anunciando a todos que Bianca estava sendo solicitada. Talvez a menina partisse o coração de alguém, talvez fosse recordista no jóquei-pô e lhe prestaram as honras por isso. Talvez tenha mudado de Bloco e simplesmente marcou seu território pra trás, como os casaizinho que, inspirados pela cafonice romântica, riscam com chave seus nomes dentro de um coraçãozinho na madeira da cama do motel. E acham lindo! Ficam ali eternizados.
Bianca foi lembrada em cima da porta do dispensário de lixo, Bloco 18, Cohab-SP. Será que foi uma indireta sobre sua qualidade de espírito?
Não havia semáforo e o carro passou bem depressa. Bianca morou nos meus pensamentos por 30 segundos. Depois, nunca mais nos vimos.
Bianca foi lembrada em cima da porta do dispensário de lixo, Bloco 18, Cohab-SP. Será que foi uma indireta sobre sua qualidade de espírito?
Não havia semáforo e o carro passou bem depressa. Bianca morou nos meus pensamentos por 30 segundos. Depois, nunca mais nos vimos.
23 de julho de 2011
Inspira
Desceram a rua correndo, com exaspero de juventude, aqueles moleques. Do alto de sua rebeldia, um deles parou diante da caixa de papelão na calçada. Olhou, vacilou um instante e deu-lhe um chutão forte que fez parar bem no meio da rua.
Um seu amigo voltou, contemplou a caixa, fez menção de recolhê-la e recuou. Não estava legal aquela noite. Não queria bancar o bom moço. Passou por cima do volume e se juntou ao bando, que seguia correndo rua abaixo.
Respirei fundo aquele ar transgressor, que cheirava a mato fresco de interior.
Paz.
Um seu amigo voltou, contemplou a caixa, fez menção de recolhê-la e recuou. Não estava legal aquela noite. Não queria bancar o bom moço. Passou por cima do volume e se juntou ao bando, que seguia correndo rua abaixo.
Respirei fundo aquele ar transgressor, que cheirava a mato fresco de interior.
Paz.
13 de julho de 2011
Malia
Sala de edição.
_ Professor…
_ Oi. Você quer me mostrar algo?
_ Sim. Meu vídeo. Acho que está pronto.
_ Tá bom. Vamos lá ver.
O professor sentou na minha mesa e começou a ver meu vídeo. De repente, uma vozinha do lado de fora da sala:
_ Papai! Papai!
_ Só um minuto, Camila. – e, indo para a pequena, pegou-a no colo: _ Vem aqui com papai, mas não coloca a mãozinha em nada, que tá suja de bolacha.
A pequena olhou pra mim e eu pra ela. Era a mesma que estava do lado de fora da casa, desfilando com seu poncho. Reconhecemo-nos rapidamente e ela passou pro meu colo:
_ Oi – eu disse, pra quebrar o gelo.
_ Oi.
_ Qual é seu nome?
_ Malia.
_ Malia?
_ Malia.
_ E essa bota linda aqui, Maria? Quem te deu? Você sabe?
_ Sabe. Foi a vovó.
_ A vovó?
_ É. Vovó.
_ E essa mão babada? Crééédu. Que mão babada! Eca!
_ Eu tava comendo bolacha.
_ E cadê a bolacha?
_ Comi. Mamãe... Cadê a mamãe?
E lá foi ela em busca da mamãe, no corredor.
_ Professor…
_ Oi. Você quer me mostrar algo?
_ Sim. Meu vídeo. Acho que está pronto.
_ Tá bom. Vamos lá ver.
O professor sentou na minha mesa e começou a ver meu vídeo. De repente, uma vozinha do lado de fora da sala:
_ Papai! Papai!
_ Só um minuto, Camila. – e, indo para a pequena, pegou-a no colo: _ Vem aqui com papai, mas não coloca a mãozinha em nada, que tá suja de bolacha.
A pequena olhou pra mim e eu pra ela. Era a mesma que estava do lado de fora da casa, desfilando com seu poncho. Reconhecemo-nos rapidamente e ela passou pro meu colo:
_ Oi – eu disse, pra quebrar o gelo.
_ Oi.
_ Qual é seu nome?
_ Malia.
_ Malia?
_ Malia.
_ E essa bota linda aqui, Maria? Quem te deu? Você sabe?
_ Sabe. Foi a vovó.
_ A vovó?
_ É. Vovó.
_ E essa mão babada? Crééédu. Que mão babada! Eca!
_ Eu tava comendo bolacha.
_ E cadê a bolacha?
_ Comi. Mamãe... Cadê a mamãe?
E lá foi ela em busca da mamãe, no corredor.
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