30 de novembro de 2011

As meninas da relação

Aos 17, 18, há um pico. Tudo está prestes, nenhuma conclusão. As poucas certezas – vida, morte e horário pra chegar em casa – são naturalmente ignoradas por força das circunstâncias. Mas amizade é o tipo de certeza que não se ignora.

“Nossa! Nossa! Confio muito nela! Acho que quando eu tiver um marido, vou poder deixar ela dormir com ele que eu sei que nada vai acontecer”, diz Lúcia sobre sua amiga Thais, convertida em eunuco por elogio à sua alta confiabilidade.

As duas afirmam buscar uma na outra o que lhes falta. E é uma relação onde cabem poucos. Apenas duas, pra ser exata. Ninguém mais. “Duvido que alguém vai chegar agora e ser tão amiga assim. Vai nada! As amigas que se faz na adolescência é que ficam pra sempre!”- diz Lúcia, mais efusiva. Para Thais, essa é uma das grandes qualidades da amiga. “Eu acho ela muito corajosa. Ela expressa muito os sentimentos dela e é muito carinhosa. Às vezes eu queria ser mais assim.”

No histórico de brigas ainda não há registro. Para Lúcia, as qualidades da Thais é que são invejáveis. “Ela é uma pessoa com quem não tem como brigar. Não tem como ficar brava. Ela tem um jeitinho assim... que você acaba perdoando sempre. Qualquer coisa errada que ela faça, foi sempre sem querer. E ela sorri demais. Ela não tem intervalo de um minuto...” – Thais dispara a rir e Lúcia continua – “...Meio minuto. Meio minuto é muito se ela ficar séria. Ela é muito tranquila.”

Na agenda lotada das “Pints”, faculdade, cinema, trabalho e longas conversas madrugada a dentro. Para o futuro, casamento, filhos e encontro semanais para falar dos assunto sobre os quais, hoje, elas não têm tanto entendimento. “Mas com certeza a gente vai ter.” Instituir o “dia das mulheres” é essencial. Porque cada coisinha que acontece, elas compartilham e se atualizam da vida uma da outra de minuto a minuto.


24 de novembro de 2011

Primitivo

Sinto vontade de te dizer o mundo e tudo aquilo que não sei, o que ainda não foi aprendido. Eu te diria do mistério das flores e a exatidão das peles, cores, matizes do espírito que revolucionou a ausência e desafiou a extinção que éramos antes de sermos o que agora somos. Contaria dos segredos sem, contudo, revelar o vazio preenchido da vida que não conhecemos. Há mais arte nos vácuos, esquinas, largos, as praças onde respiramos. Há beleza no espaço e eu insisto em falar do que te tenho. Eu quebro, querido, a harmonia. A riqueza atroz se insinua e tenho vontade de mitigá-la, mal posso conter o impulso. Você me olha e a perfeição precisa ser violada ou terminarei sua escrava. Melhor faria eu se permanecesse calada. Sei. Porque o nada é tão sagrado e criativo quanto o verbo bem sucedido. Costumeira, costumeira. Adicta na contradição dinâmica de me ver de diferentes jeitos sempre tão estagnada. Sou eu mesma meu oposto e juramento o sacrilégio. Sou confusa porque devo ver nisso muita elegância. O ponto exato do alto é quando não nos compreendem. Aí podemos ser verdadeiros com convicta tranquilidade. Não teremos de nos explicar. A dúvida é fruto de algum entendimento. Eu, no entanto, não gozo do privilégio de poder ser ambígua ou de outra forma imprecisa. O que te digo é direto e simples, está a salvo de qualquer engano. Uso palavra que não faz curva.


Eu te amo.

16 de novembro de 2011

Da responsabilidade grande de um príncipe pequeno

"E foi então que apareceu a raposa:

_ Bom dia - disse a raposa.
_ Bom dia - respondeu polidamente o principezinho que se voltou, mas não viu nada.
_ Eu estou aqui - disse a voz - debaixo da macieira...
_ Quem és tu? - perguntou o principezinho. _ Tu és bem bonita.
_ Sou uma raposa - disse a raposa.
_ Vem brincar comigo - propôs o príncipe. _ Estou tão triste...
_ Eu não posso brincar contigo - disse a raposa. _ Não me cativaram ainda.
_ Ah! Desculpa, disse o principezinho.

Após uma reflexão, acrescentou:

_ O que quer dizer cativar ?
_ Tu não és daqui. Quê procuras?
_ Procuro amigos. Que quer dizer cativar?
_ É uma coisa muito esquecida - disse a raposa. _ Significa criar laços...
_ Criar laços?
_ Exatamente. Tu não és para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos.
E eu não tenho necessidade de ti.
E tu não tens necessidade de mim.
Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim o único no mundo. E eu serei para ti a única no mundo...

Mas a raposa voltou à sua idéia:

_ Minha vida é monótona. E por isso eu me aborreço um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei o barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora como música.
E depois, olha! Vês, lá longe, o campo de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelo cor de ouro. E então serás maravilhoso quando me tiverdes cativado. O trigo que é dourado fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento do trigo...

A raposa então calou-se e considerou muito tempo o príncipe:

_ Por favor, cativa-me! - disse ela.
_ Bem quisera - disse o príncipe. _ Mas eu não tenho tempo. Tenho amigos a descobrir e mundos a conhecer.
_ A gente só conhece bem as coisas que cativou - disse a raposa. _ Os homens não têm tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres uma amiga, cativa-me!
Os homens esqueceram a verdade - disse a raposa. _ Mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas."


Antoine de Saint-Exupéry, 1943.