30 de agosto de 2013
17 de agosto de 2013
Da gaveta
Antonio Carlos Malheiros é Desembargador e Coordenador do departamento da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, mas faz ainda hoje o que fazia na adolescência. Aos 13 anos começou em projetos de reconhecimento de favelas. Esta é, aliás, sua recomendação aos novos magistrados: “Para que entendam de justiça, eles têm que estudar no grande livro da vida. Vão encontrá-lo na poeira das ruas, no chão enlameado das favelas, nos esgotos dos cortiços, no pátio da Fundação Casa, nas celas do nosso falido sistema carcerário e na solidão dos hospitais. Caminhando, sentindo o gosto da lágrima das pessoas, eles poderão desenvolver um bom trabalho.”
Qual é sua opinião sobre a internação compulsória?
Não dá resultado. Internação compulsória é um pronto socorro. No momento em que a pessoa está morrendo, com tuberculose, aids, sífilis, extremamente magra, fumou todas as pedras possíveis de crack, o médico fala “olha, interna”. [...] Ou seja, pra você não morrer agora estou te internando na marra. Mas vai ficar quanto? 15 dias, um mês, dois meses? Muito complicado. Até porque, contra a vontade ninguém vai deixar de usar droga. É preciso querer. Pra pessoa querer tem que ser feito um trabalho, talvez em meio aberto, para em algum momento a própria pessoa falar “péra, me interna, porque agora eu entendi, eu vou tentar mudar, eu quero”. Daí começa a surtir algum efeito.
Mas o argumento do Estado, das políticas públicas que alimentam a ideia de que a internação compulsória pode resultar, é justamente de que as pessoas que frequentam a Crackolândia já estão em situação emergencial. Na sua experiência, elas estão?
Nós encontramos alguns que sim. Outros tantos não. Para esses outros vale muito mais tentar um convencimento. [...] Mas a internação compulsória é o que a sociedade quer, porque não importa se é bom, se é ruim. “O que eu não quero mais é sair da Sala São Paulo, depois de assistir aquele belo concerto, maravilhoso, e topar com essa multidão de zumbis na minha frente. Ou seja, se você desaparecer com eles amarrando uma pedra e jogando no fundo do mar, tá ótimo. Se você quiser levar pra sua casa, tá ótimo também. O que eu não quero é encontrar mais esse lixo humano na minha frente”. Assim pensa 90% da população, esses mesmos 90% que querem a redução da maioridade penal e que não ligam a mínima pra saber porque aquele cara se tornou tão violento. [...] Então, a movimentação, se a gente deixar, é sempre higienista.
[...]
Muitos projetos, embora sejam bem executados, são pontuais. Não há continuidade. A criança é acolhida, mas quando se torna adolescente já não tem mais acolhimento, ou completa 18 anos e...
Exatamente. Você tem toda a razão. O tal do day after. O dia seguinte é o que nos mata. A gente até tem planos bacanas. Pega daqui, tira dali, põe pra lá. E o day after? [...] Se a gente não conseguir fazer isso, é fácil: “Eu vou voltar pra rua e vou acender um cachimbinho. Até porque, esse cachimbinho dá um prazer extraordinário e anestesia essa grande dor de mágoa, de frustração, de ódio.”
As iniciativas contra as drogas falam pouco dessa questão do prazer. As drogas têm apelo e isso não é discutido.
Com certeza. A droga dá um prazer fantástico. Mas qual é o preço dessa viagem? Pode ser a sua vida. Mas enfim, naquele momento que eu tô com fome, lembrando da minha mulher que partiu porque não me aguentou mais, dos meus filhos que foram com ela, quando estou sozinho, perdi casa, perdi tudo, perdi emprego, “ah... eu vou acender um cachimbinho aqui que vai me melhorar”. Se eu estivesse numa condição de rua, provavelmente estaria fumando crack também.
O que falta para as nossas políticas públicas serem mais articuladas? Qual é o problema? É a burocracia, são os governos locais, é o governo federal?
Falta de vontade política e de coragem, de dar a cara pra bater, de falar “olha, nós não temos vagas, vamos ter que destinar recursos pra isso, vamos tentar”. Falta humildade na fala. Perde voto quem for sincero. Mas falta alguém dizer “não tem importância. Eu vou começar a fazer uma política diferente.”
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