30 de dezembro de 2014

2015


Nasci mulher. Calhou. Estou muito confortável. 
Mas fosse homem, seria bom também. 
É fácil ser um homem surpreendente entre tantos homens óbvios. 
As mulheres, com freqüência bastante competitivas, tornam o elemento surpresa esperado. A perfeição é sine qua non. Depois dali é que vem o agrado, o plus. Ser mais que perfeita. 
Para os homens sobra ser qualquer coisa um pouco menos óbvia. Digam pelo menos “construiria uma cabana de salgueiro às portas de sua casa e visitaria na casa a alma de minha vida”, mesmo que só hajam ipês amarelos no bairro. Digam. 
É claro que há outra mulher, outra conquista logo mais. Mas sejam melhores, por honra, por amor próprio. 
Agora, para as meninas, fica a minha dica pra 2015: quando fizer a sua unha você mesma, em casa, com a nenê pulando nas suas costas e tentando comer o pincelzinho rosa e, ao final, apesar de todo o esforço, seus dez dedos parecerem um rascunho de criança em vez da sagrada obra de Deus, como seria o esperado, keep calm. Pra você, que não nasceu com as unhas lixadas, sem cutículas, cujas cores não se renovam naturalmente na sequência do arco-íris, keep calm e passe uma base com brilho por cima. 
O brilho refratário costuma suavizar a impressão de meleca.

27 de dezembro de 2014

Sugestão de empreendimento

Jornal Nacional
Edição do dia 26/12/2014 
26/12/2014 21h35 - Atualizado em 26/12/2014 21h35 

'Garçom' vende água e refrigerante em engarrafamento para o litoral de SP



8 de dezembro de 2014

Miss simpatia


Minha filha tem especificamente dois talentos que pude notar desde muito cedo: personal organizer e public relations. 

Explico: ela tem um dom muito natural para encontrar os locais mais apropriados – e óbvios – para guardar as coisas que usamos diariamente e precisam estar ao mesmo tempo protegidas e disponíveis. No começo eu ficava um pouco perdida, mas logo aprendi a lógica: o lugar do controle remoto da TV, por exemplo, é dentro do escorredor de macarrão. Já a mamadeira tem encaixe perfeito dentro do cesto de roupas sujas do papai. 

Totalmente intuitivo, como eu estava dizendo. 

O segundo grande talento é pra poucos: minha filha une torcidas, agrega multidões, reúne desavenças, aproxima desconhecidos. Ela é perfeitamente capaz de acenar para as mesmas pessoas durante os inteiros 50 minutos que se demora para percorrer a linha azul do metrô, por exemplo, da Saúde até a Parada Inglesa. Tranquilo. Ela dá tchau de um lado, depois do outro, depois volta pro primeiro lado, depois pro outro, depois pra baixo, depois pra cima, daí volta pro primeiro lado, depois pro outro e assim sucessivamente por quanto tempo durar a viagem, sem constrangimentos ou sinais de esmorecimento do humor, da disposição ou do vigor físico. Quando o tédio se insinua, ela facilmente muda o repertório: bate palmas e lança beijos ao ar charmosamente, sorri e volta a acenar, atraindo multidões para a janelinha dos desafortunados que precisaram se despedir em algum trecho no meio da viagem. 

Muitas conversas surgiram a partir da simpatia dela. Uma vendedora de Mary Kay sabiamente avaliou que minha filha é muito jovem para a nova linha de sombras coloridas, mas aproveitou para oferecer seus produtos para a mãe. Uma senhora me contou dos netinhos gêmeos, uma outra contou da neta, outra do cachorro. 

Em dada ocasião, uma jovem coreana veio se aproximando muito determinada na minha direção e, subitamente, grudou nas bochechas da bebê que estava no meu colo, travando uma conversa interessantíssima em seu idioma de origem. Notavelmente apenas eu não compreendia o assunto. Ambas pareciam perfeitamente entrosadas e risonhas, trocando confidências e piadinhas internas de menina. Quase pedi licença para me retirar e deixá-las mais à vontade.