19 de maio de 2010

Porque eu gosto de semiótica

Acho que todos os professores de semiótica na história da humanidade no mundo já responderam à gloriosa pergunta: “Pra quê serve semiótica, afinal?”

Mas há os mais inquisidores, socialmente preocupados com as injustificáveis 40 mil mortes diárias de crianças do terceiro mundo subnutridas ou com doenças evitáveis: “Com tanta gente morrendo de fome, pra quê estudar semiótica? Ao quê ou a quem a semiótica salva? Por que ela é importante?”

De fato. Indubitavelmente a fome física é mais premente, mais urgente do que outros tipos de fome. Sem o alimento para o corpo físico não há vida que possa durar. Mas o alimento não é a única urgência de uma vida. A sede também o é, o sexo, a higiene, o sono, o sonho. Claro. Mas eu não conheço vida que o valha estática em seu processo de perceber e, por isso, progredir. A fome de conhecimento e a pobreza de espírito também são humanas. E uma vez supridas aquelas, o ser há de querer avançar. E quem pode dizer qual fome é mais importante? É mesmo uma questão de grandeza?

Eu posso entender que cada um de nós conhece os anseios da vida. E, graças ao desígnio, temos tendências diferentes, inclinações que nos levam a caminhos distintos. A diversidade não é acaso, é a única forma de perpetuar a evolução. Não há caminho único possível. É por isso que tem gente lutando pelas questões da raça, da orientação sexual, da deficiência, da educação, da política, da cidadania, da mulher, das minorias, das sociedades, das rendas. E por que não da semiótica?

E por que sim?

Bem, a semiótica é a investigação lógica do processo de apreensão do mundo pela consciência de forma cognoscível, por meio da percepção que se converte no fluxo de signos, logo, linguagem. Uma vez compreendida a progressão que se dá na sua cabecinha, desencadeia-se um (embora haja outros) modo de auto-conhecimento. Auto-conhecendo-se você também passa a entender melhor o outro, o mundo e a necessidade do outro e do mundo pra você e em você.

É tão bonito isso...

Pensa só: desde Aristóteles temos a teoria do ato e potência, que nos diz, entre outras coisas, que você não pode se definir senão por meio de atos, que são a essência de sua própria existência.

_ Quem é você?
_ A Camila.
_ Não. Este é seu nome. Quem é você?
_ Eu sou uma jornalista.
_ Não. Esta é sua ocupação. Quem é você?
_ Eu sou a filha da Eliane e do Ivan. Sou a irmã da Thais.
_ Esta é sua localização no contexto familiar. Mas e quem é você?

Eu não posso responder quem sou eu. Eu sou um todo que habita uma consciência, ou sou a própria consciência? Uma só? Sou uma alma que anima um corpo ou sou um corpo que viabiliza a expressão de uma alma? Sou uma vida finita ou uma existência infinita e perpétua?

Ninguém pode dizer com certeza o que é. Mas se você encostar em mim, posso dizer, com toda a certeza, onde termina eu e começa você.
E por quê? Por que eu sinto. E, como diz Pessoa, “tudo o que em mim sente está pensando”.

A semiótica é um meio de pensar o próprio pensamento. E o que é um pensamento senão um pensamento sobre outro pensamento? Todas as palavras aqui escritas estão ecoando na cabeça de você que está lendo e sua consciência está num esforço de significar isso tudo. Como? Por meio de signos, ou seja, de mais pensamento. Ler é pensar, interpretar as palavras é o pensamento do primeiro pensar e certamente a primeira interpretação desencadeia idéias e conexões com, adivinha!, outros pensamentos.

É lindo isso, não é? Tenho até um amigo que, um dia eu explicando, resolveu tatuar uma coisa sobre isso.

Lúcia Santaella falando sobre a primeiridade no sistema de categorias dos elementos que compõem o pensamento na lógica de Peirce é poesia!

“Levantemos, por exemplo, algumas instâncias de qualidades de sentir ao imaginarmos um estado mental caracterizado por uma simples qualidade positiva: o sabor do vinho, a qualidade de sentir amor, perfume de rosas, uma dor de cabeça infinita que não nos permite pensar nada, sentir nada, a não ser a qualidade da dor. Um instante eterno, sem partes, indiscernível de prazer intenso ou a sutil qualidade de sentir quando vamos gentilmente acordando, dóceis, ao som de uma música.”

É claro que existem muitos caminhos a serem percorridos para se chegar à lucidez, à realidade que é compartilhada e independente de nossas opiniões a respeito dela. A semiótica é um caminho e faz sentido pra mim. Se todas as pessoas lutassem pelo quê faz sentido pra elas, mais coisas fariam sentido pra ainda mais gente, porque a lucidez é contagiosa. Já dizia Hilda (Hilst):


“Lúcidos? São poucos.
Mas se farão milhares
Se à lucidez dos poucos
Te juntares.”


Creiam-me. A semiótica me faz entender a vida.

“O sentimento ou qualidade de impressão é um quase-signo porque já funciona como o primeiro, vago e impreciso predicado das coisas que a nós se apresentam.” [Santaella, 1983]

Isso me lembra uma conversa de um amor sobre nós, incluindo-se a si mesmo na terceira pessoa, quando lhe pedi uma estória e veio uma história:

_ Sabe quando você vê uma pessoa que você não conhece bem, mas ama? E sabe quando você ama uma pessoa que você conhece muito bem? Então... Eles estavam num estado intermediário e se amavam tanto quanto podiam diante disso. Era um pré-amor, mas já era tão bonito quanto o amor. Foi assim quando eles se conheceram.

...O que, por sua vez, me lembra o mito de Campbell, o habitus de Bourdieu, a comunhão de Bordenave, a complexidade de Morin...

“[...] Mentes diferentes podem partir dos pontos de vista mais antagônicos que o progresso da investigação os levará, por uma força a eles estranha, a uma e mesma conclusão. [...]Será que não existem realmente estas coisas apenas porque não há qualquer esperança de alguma vez estarem ao nosso alcance? [...] A isto minha resposta é que, embora em nenhum possível estágio do saber possa haver um número suficientemente grande para exprimir a relação entre a quantidade do que permanece desconhecido e a quantidade do que sabemos, não é, no entanto, filosófico supor que, relativamente a uma dada questão, (com um significado claro) a investigação não possa chegar a uma solução, desde que levada suficientemente longe.”

Eis porque ele nos deixou 80 mil manuscritos e 12 mil páginas publicadas. Entre os artigos acessíveis na internet, este, cujo trecho citei acima. “Como Tornar as Nossas Idéias Claras”, por Charles Sanders Peirce, para os brasileiros que não se incomodam com o português de Portugal na tradução.

7 comentários:

Fabis Matrone disse...

Porque é da educação que e transforma uma nação?

Nunca vou esquecer seu discurso para nossa apaixonante professora Liliana rs

Te amo

saudades

Magno Nunes disse...

(Pode vomitar?....)

Eita... Calma, respira...
Como diria Jack, o Estripador, vamos por partes...

Ah... eu num sei mto de semiótica...
Não sei mesmo, eu acho que devia ter estudado mais nas aulas do Coelho e talz...Maaaaaas...

Só sei que a fome de conhecimento também mata...
E como eu conheço gente morta "conhecimentalmente" falando...

Aqui, neste espaço tem uma...
Mas, vai, vc consegue salvar mais uma alma...

Magno Nunes disse...

PS: O vômito não é pela postagem...
Mas por comentaristas.

FlamingLips disse...

Outro dia ouvi alguém criticando a geração Beat. E agora a mesma pessoa aparece escrevendo tal qual um beatnik...
Eu também não sei porque que gosto de finanças, e lendo o texto cheguei a conclusão que não sei nem o que é gostar...

QUEM SOU EU???

Amanda Proetti disse...

E eu aqui entendendo um pouco mais pq tenho me embrenhado no mundo da semiótica e lembrando q eu cheguei a te estranhar e expressar a vc esse estranhamento alguma vez na vida.

E eu aqui, me apaixonando pela semiótica na pós q tem pra mim o significado literal da palavra pós, depois de td, aprender é viver!

Amanda Proetti disse...

E eu aqui entendendo um pouco mais pq tenho me embrenhado no mundo da semiótica e lembrando q eu cheguei a te estranhar e expressar a vc esse estranhamento alguma vez na vida.

E eu aqui, me apaixonando pela semiótica na pós q tem pra mim o significado literal da palavra pós, depois de td, aprender é viver!

Magno Nunes disse...

Somos todos vítimas do SISTEMA!!!

ABAIXO O SISTEMA!!!

ahahahaha #engajamentofail