19 de novembro de 2010
Zurzida e após
Ainda submersa naquela aparição que era eu mesma pra mim, fantasmagórica e perdida, sentei, apática e sem vontade, no banco. Mal sabia eu que adicionaria àquela cena, mais tarde, uma musiquinha italiana, do tipo trilha-sonora-de-desenho-da-tv-cultura, instrumental. Naquela hora eu não sabia, então o leitor que acrescente o fundo, privilegiado que está pela insider. Pois bem, que era eu sem pretensão, procurando nos outros rostos o que faltava no meu. Uma certa malícia, força, volição. Eu olhava ao redor, esmilingüida e sem expressão, querendo qualquer coisa. Foi quando Deus entrou. As portas do vagão se abriram e ele veio andando, humilde, resignado, com as costas curvadas, cansado, emagrecido, senhorinho, de boné, com a barba por fazer e os cabelos sem melanina. Foi-se encaminhando pra dentro lento, mas não tão lento, apoiado numa bengalinha que era, em verdade, um guarda-chuva longo que lhe fazia às vezes de apoio. Veio vindo em minha direção e sentou-se à frente, bem perto, bem diante dos meus olhos. Ele trazia enrolado a si uma bolsa, dessas bolsas finas, como pastas, onde não cabe muita coisa. A bolsa pendia das costas e ele a ajeitou no colo. Ansioso, tirou de dentro um saco preto e, de dentro do saco, uma embalagem. Com seus dedos trêmulos e enrugados, começou a censurar o pacote de plástico. Mexeu daqui, dali, e foi me dando tempo de reparar na falta de substância. As duas pernas dele juntas davam uma minha, e eu sou magra (1,69/59). Ele fazia força, puxava com cuidadinho um fio e outro, rasgava mais um pedacinho e seguia livrando sua pequena preciosidade da capa inconveniente. Eu enxergava algo prateado, mas não identificava o que era. Minha estação chegou e levantei, bem a tempo de vê-lo tirando de dentro da bolsa azul-escuro um rádio de pilha. Ele estava assim, todo orgulhoso de si, conectando o fone no radinho, quando parti e deixei meu Deus à mercê de sua felicidade simples. No próximo, naquela dignidade infinita que eu protegeria com a minha própria, achei um Deus que me lembrou por que ainda valia à pena viver.
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7 comentários:
E o rádio, virou seu companheiro diário...
Tá vendo? E por essas e outras que não me arrependo de ter escolhido o rádio para viver...
É, Deus gosta de música!
E que bela cena "cê" me pos diante dos olhos, hein?
Como sempre, obrigada, minha irmã! ^^
Será que Deus ouve a Kiss?
Nossa, que baixinha! Podia jurar que vc era mais alta q eu...
rsrssrsr
o mais simples para um pode ser o melhor dos dias de um outro, lindo isso ne?
vendo essas coisas vemos que tem tanta coisa que num vale a pena fazer.
lindo post.
Sempre quando eu venho aqui e vejo um conto dessa magnitude fico tentando imaginar de que ângulo você enxergou toda a cena. Um dia vc me conta?!
rs.. por isso me intrigo mais em ver os comentarios do que o próprio texto...
Textos escritos com sentimento raramente são comentados da mesma forma...
Ainda a esperança...
oi. tudo blz? interessante aqui. apareça por lá. abraços.
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