31 de julho de 2012

Sobre seu sertão do fim de mundo


“No sertão
do fim de mundo”
deve de ter até na flor
todo amor de que ele é feito
cacto, queimor
ao menos um faminto
e terra vermelha
jazendo sob o cozido.

“No sertão
do fim de mundo”
deve de suceder
chover às vezes sim
muita vez não
e quando o raro
é dia de festa
festeja também
o que não presta
pra aprender levar pisão.

“No sertão
do fim de mundo”
defloram as ancas
fêmeas como
em todo lugar
no pau dos bichos
e é prenhez de teimosia
mais do que de esperança
que faz brotar
sem água
mais criança.

“No sertão
do fim de mundo”
ouvi dizer
que vai lá ser
o berço amarelado
nascido o sol
de eldorado
constrangido do
pálido queimado
à escassez.

“No sertão
do fim de mundo”
eu vim saber que
sim foi ele
fino pensado
de vazio e solidão
em solidariedade
à reiterada rejeição
da variedade.

“No sertão
do fim de mundo”
deve de ser ainda mundo
que sertão é um tipo dele
só que diferente
do tipo que
pouca gente entende
onde talvez nada dê
em se plantando
mas que já é ele
o que pode
o que deve de ser.

24 de julho de 2012

Passar por ninho


Dava passos. Eram irregulares, mas ele dava passos. Ora saltitava também ganhando o espaço e preenchendo de possibilidades o oco. Tinha dias que tinha pressas. Volitava nas horas, forçando com gracejos as passagens.
Eu rígida.
Até que súbito, resoluto, decidiu usar a boca. A ideia nascida da consciência bruta. Boca e língua em atrito comigo ia lhe dando o gozo podotátil do quase que recua. Corpo em esforço e ritmo.
Eu frígida.
Ele cores. Um pedacinho de arco-íris, verdadeiramente. Bonito. Por isso era preciso guardá-lo, inescapável esse fugitivo de cantos, mil encantos despertando cobiça de vida. Ele vivia.
Eu lívida.
Era um pouco silêncio e já se ouvia coração, apressadinho. Calorzinho costumeiro, era calor a tradução, quentinho no seu manto elegante, que esgueirante e taciturno desfilava de lá pra cá.
Eu fria.
Mas deve ter ido cansando, não sei bem. E esmorecendo, o viço esvaindo sem muito sintoma fora, só uma perda gradual de personalidade. O comportamento. Foi se vendo fora o que ia dentro. Até que amanheceu imóvel.
Eu rigorosa.
Imóvel até ser encontrado e removido, não mais automovível, impossível, perecível. Foi de ser assistido à vida breve, bala de clavina queria ter sido e foi passarinho. Passarinho.
Eu gaiola.

19 de julho de 2012

Imorrível


Agora é tarde.
Não há retorno.

Muito agora já te conheço
cientificamente
tuas palavras de predileção
as que te custam mais caro
as que não têm preço.

Sei das tuas mãos o tamanho
em relação às minhas
o que é teu lampejo
alegria
de teus furacões a força
e a mania.

Tenho em lembrança teu
grande medo
que em segredo
até de ti me contaste
teu pequeno grande orgulho
vestido de leãozinho
tuas chantagens emocionais
contigo mesmo.

Sei teus olhos em variados graus
de iluminação e sentimento
teu exílio, tua fome
as performances da fanfarrice
teus artigos principais.

Lamentos, regressos, progressos
listados na modorra
esperando os abismos
cantando presenças
em fila indiana.
Até eu sou fantasma
nessas minhas memórias
que desbotei a ponto de lá
parecer mais viva.

Sei tudo e não é preciso
saber por onde andas.
Qualquer coisa vai
fechando em si o cerco
da sapiência
o elo indissolúvel
por resistência
do teu orgulho.
É feia a ferida
e cheira mal.
Mas cura.

O elo, no entanto,
não sei se tem jeito.
Há de responder aos
sucessivos testes
do tempo.

7 de julho de 2012

Às vezes as pessoas procuram por milagres. Às vezes os milagres procuram por pessoas.

4 de julho de 2012

Sobre o peixe




Eu posso explicar. Meu peixe QUIS morrer.

Como eu sei? Ora... esse é o tipo de coisa que se percebe convivendo com alguém. Uma certa melancolia, tendência suicida, a fome que não quer ser satisfeita, a dor que se alimenta.

Ele quis.

Em compensação, Vítor Massao tirou uma foto do peixe e o eternizou até mais bonito do que era na verdade.

Meu peixe era selvagem. Não se importou com meus sentimentos e morreu.

Dia desses, conversando com o poeta, refleti sobre essa conduta:

“A selvageria me parece ser alada. Terrestre quando quer, escapa pelos altos fazendo de qualquer céu a saída. Se o redor se estreitou, a tática é buraco, mergulho, vôo. Selvageria pra mim se parece com velocidade e baixa inclinação à redenção. É uma disposição infinita e violenta à lealdade consigo mesmo, ainda que contradiga compromissos, verdades, virtudes e sentimentos alheios.

Eu, por exemplo, considero-me um ser selvagem. E é uma pena que reconheçam nisso algo a temer. Não é. O selvagem não é duro, pelo contrário. É mole, afável, mas vigoroso. De um selvagem jamais se verá atitudes medianas, meramente políticas, preocupadas com a polidez. O selvagem fere, mas ninguém mais do que ele está aberto ao sofrimento. 

E não é assim, poeta, que só estando aberto ao sofrimento estamos verdadeiramente postos a amar?

O peito do selvagem se oferece como alvo todo o tempo. A dor selvageriza. Cavalgar, voar, mergulhar, livrar-se da lança sabendo que nunca completamente. Empreender o esforço perdido de se poupar, amar um pouco menos, conter-se um pouco mais.”



1 de julho de 2012

Passado


Tem hora que chega
Mastiga memória tem hora
Que acha ser gente até ver
Se remói é só memória