1 de agosto de 2014

Elementar


“Eu daria a minha vida por você.” 

Todos na sala permaneceram silenciosos. Ele insistiu, declarando nominalmente, apontando para ela, naquele êxtase furioso, orgulhando-se da própria capacidade de dizer algo incrível. 

“Eu daria a minha vida por você.” 

Por isso estranhou a falta de reação da plateia e da amada. Ninguém aplaudiu. Ele decidiu repetir uma terceira vez, limpando a garganta antes e usando uma voz ligeiramente empolada. 

“Eu daria a minha vida por você!” 

__ Sim, mas... o que isso quer dizer, exatamente?  
__ Eu te amo! Mas não queria usar a palavra “amor”, que já está muito desgastada. Prefiro dizer que daria a minha vida por você, porque eu realmente daria, entende? 
__ Isso significa que você... hum... morreria por mim? 
__ Claro! 
__ Hum... Mas e se... vamos supor... e se nunca acontecer de a minha vida correr perigo o suficiente para eu precisar da sua? 
__ Bom, melhor, né? Mas já que eu estou dizendo, você já fica sabendo. 

Ela parou um pouco pra pensar em quantas vezes precisou de um rim, um fígado, uma córnea, ser salva de um atropelamento, afogamento, sequestro ou da beira de um precipício, de onde dependurava só por uma das mãos. Quantas vezes esteve em uma situação limite, precisando de um herói ou de uma força descomunal em seu favor por um momento, uma grande explosão do vigor masculino que lhe ejetasse do risco e lhe pousasse, sem trancos, em terra firme. 

A matemática é perfeita. Terminou a conversa, a relação e, anos mais tarde, ficou com alguém que acordava mais cedo aos finais de semana para lhe preparar uma limonada rosa e ajeitar no pratinho, ao lado dos cookies, pro café da manhã.

Um comentário:

Felipe Teles disse...

Limonada no calor e leite com nescau quente no frio...