Atendi. Uma voz meio mastigada de homem jovem, como se estivesse com a cara presa debaixo de uma roda de caminhão, disse:
__ Você asdfa dinadsfdf pra adsfas fasdfd pais?
__ Perdão, não entendi.
__ Você aceitaria dinheiro para gravar um vídeo dos seus pais?
__ Dos meus pais?
__ Dos seus pés!
__ Dos meus pés?
__ Isso!
__ Pra quê?
__ Você sabe quem está falando?
__ Não! Quem está falando?
__ Uma pessoa que você conhece.
Desliguei. Sabe, nem foi o fato de me oferecer dinheiro para eu gravar um vídeo. Se fosse dos meus pais ou dos meus pés, tanto faz. Eu precisaria antes analisar a proposta financeira e os direitos autorais. Qual a função do vídeo? Também nem foi o fato de a ligação ser a cobrar, o que me parece particularmente suspeito. Como a pessoa vai me pagar pelo vídeo se não tem dinheiro sequer para me ligar?
E outra coisa: o telefone toca dez pras duas da manhã, sabe? A gente já atende com o coração na mão, achando que é alguma emergência na família, que o carro de alguém quebrou na estrada deserta e a pessoa pegou o telefone do posto pra ligar e está com fome e frio e perdida, etc etc. O vídeo dos meus pais ou dos meus pés pode certamente esperar o horário comercial.
Mas o que me deixou realmente magoada foi o fato de dizer que é alguém que eu conheço. Cara, se eu te conheço, seja mais tarado e menos psicopata. Manda um e-mail, uma mensagem no face, um sms ou liga durante o dia, tá certo? Pode comprar um vídeo dos meus pais, dos meus pés, das minhas mãos, sei lá. Faz a proposta que eu vou analisar. Mas não me assusta. O tema é a sua tara, fale sobre a sua tara. Não se fantasie de tarado ofegante às duas da manhã que eu não sou obrigada a travar esse tipo de conversação da maneira mais ameaçadora possível.