Era tentador o lá fora. O lá fora me espiava azul por detrás da cortina de renda e eu fui até a fresta olhá-lo também. Tentava. Não era um claro, não era um arrebatamento de morno ou certezas, mas pouca coisa podia ser pior do que ali, dali onde eu tava. Não dava pra ver.
Sentei de volta, naquele vermelho vinho derramado em volta, num jeito de testar minha paciência outra vez. Mas era um frio sobrenatural. O casaco não aplacava. O cansaço não vencia. O sono não chegava.
Subi vagarando as escadas, olhei no espelho aquela palidez de 5h30 e desci. Silenciada.
Desajeitada procurei as chaves. E as testei, pedindo ao eco que respeitasse a paz dos que dormiam. Implorei.
Primeiro uma, depois duas, depois três. “Liberdade!” – pensei.
Voltei pra dentro da casa, peguei a mochila ainda largada na mesma mesa e saí ansiosa.
Tranquei por fora e passei a cúmplice daquela fuga desconexa por debaixo da porta de carros.
Virei e fui e imediatamente quis voltar. Enquanto olhava pra frente, pensava num jeito de entrar de novo debaixo daquele abraço que eu sabia onde dormia. Examinei mentalmente todas as possibilidades, mas nenhuma parecia possível.
Tocar a campainha, acordar a casa inteira e explicar que me tranquei pra fora? Não.
Pular? Não.
Gritar o nome dele da calçada? Não.
Ligar do orelhão e pedir pra alguém abrir pra mim, porque eu fugi de madrugada e queria voltar? Não.
Não titubeei por fora e continuei andando.
Antes de chegar no ponto um homem passou de bicicleta.
_ Moço, eu me tranquei pra fora de propósito, mas tô arrependida. Me ajuda a pular o portão da garagem?
Não faria o menor sentido. Ignorei aquela idéia como ignorei as anteriores e continuei andando pra frente.
“Engole essa liberdade agora, idiota.”
Engoli.
No ônibus ainda pensava num jeito de voltar. Mas o trabalho extra de não saber nem que ônibus faria que caminho me fez desistir e prestar atenção no Sol provocando a vida.
Não sou fã do cedo do dia, nada pessoal. Mas já que eu tava ali, a janela tava ali, o céu tava ali, metade laranjão metade azulzinho, porque não bater um papinho? Em silêncio.
Foi o que eu fiz. Fizemos.
Ficamos nos olhando o Sol e eu.
E, sem mais nem menos, quando me dei conta já tinha ido mesmo.
Cedi à tentação de ir por não ter cedido antes à de ficar...
_ Sua malucaaaaaaaaaaaaa!!!
...Sem nenhum arrependimento.
É que prefiro não estar onde não estou e me sentir sozinha por estar, de fato, sozinha.
E fui.
_ Retardada!
_ Ah, pára. Eu vou pra onde eu quero. Sou bem grandinha.
_ Não precisava fazer assim...
_ Esse seu papo tá me lembrando um amigo meu, que diz que sou arredia.
_ Indomável. É uma palavra boa pra você: indomável.
_ Ah, é! Essa também. Era uma das preferidas da minha mãe. Ela sempre usava essa.
7 de dezembro de 2009
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2 comentários:
Nossa... Me prendi na sua leitura.... Tens que escrever um licro (contos).
Abraço
Mariza
Muito bom. Qualquer hora vou tentar fazer isso que você fez também.
Abraços
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