O sono é acomodação do sujeito a si mesmo. Quando o sujeito se encontra ele repousa em si, adormece, embriaga-se. O estado de vigília é o desencontro de si. O despertar, no entanto, é traumático, porque a descoberta do outro o é. Mas, se o conhecimento é condição para a superação do trauma, então, para Lévinas, a superação nunca acontece. O outro nunca será objeto de conhecimento, de tal forma que estar com o outro será sempre um trauma. No entanto, Lévinas nos pergunta: se víssemos a humanidade no próximo, seríamos capazes de atentar contra ele?
Não é a partir do ser geral que ele vem ao meu
encontro. Tudo o que dele me vem a partir do ser em geral se oferece por certo
à minha compreensão e posse. Compreendo-o a partir de sua história, do seu
meio, de seus hábitos. O que nele escapa à minha compreensão é ele, o ente. Não
posso negá‐lo parcialmente, na violência, apreendendo-o a partir do ser em
geral e possuindo-o. Outrem é o único ente cuja negação não pode anunciar-se
senão como total: um homicídio. Outrem é o único ser que posso querer matar.
Eu posso querer. E, no entanto, este poder é
totalmente o contrário do poder. O triunfo deste poder é sua derrota como
poder. No preciso momento em que meu poder de matar se realiza, o outro se me
escapou. Posso, é claro, ao matar, atingir um objetivo, posso matar,
como faço uma caçada ou como derrubo árvores ou abato animais, mas neste caso
apreendi o outro na abertura do ser em geral, como elemento do mundo em que me
encontro, vislumbrei‐o no horizonte. Não olhei no rosto, não encontrei
seu rosto. A tentação da negação total, medindo o infinito desta tentativa e
sua impossibilidade, é a presença do rosto. Estar em relação com outrem face a
face – é não poder matar. É também a situação do discurso.
LÉVINAS