11 de dezembro de 2012

Rasteirinha


A campainha tocou e ele foi atender. Era ela, um pouco mais cedo do que o combinado, antes do anoitecer. Parecia bem humorada, disposta, com as faces rosadas do dia de sol lá fora. Sentou-se no sofá muito à vontade e largou a mochila num canto. Ele notou a bagagem com um certo incômodo, mas procurou se concentrar no que ela dizia. Só para perceber em seguida que não tinha a menor importância. Ela já estava no sofá. Poderia ser ali mesmo. Olhando-a falar em seus trejeitos e inclinações de tronco, imaginava por onde começar. O decote parecia uma feliz opção, acessível às mãos ou à boca ou às três ao mesmo tempo. Talvez o cabelo. O cabelo era um jeito mais sutil de iniciar. Passaria a imagem de ser, quem sabe, educado, tímido. As mulheres gostam disso. As mulheres gostam mesmo disso? Bem, poderia ser a cintura. Se estivessem de pé e ele a segurasse no ângulo certo, ela tombaria para o sofá de volta e ele cairia naturalmente em cima dela. Poderia ainda ser algo mais pueril. Beijar-lhe as bochechas quentes e deslizar para as orelhas. Seria um caminho fácil até o pescoço e em seguida ela lançaria a coxa direita sobre as pernas dele. Ele tocaria seus pés e... 


Ele olhou para os pés e subitamente se interessou pelo que ela dizia. Ouviu com atenção irrevogável por uns quatro ou cinco longos minutos sem, contudo, obter pista do que desejava saber. Correndo o risco de explicitar uma injustificável ausência durante a meia hora anterior e correndo também o grande risco da indelicadeza por fazê-la repetir, perguntou objetivamente: 


__ ...Mas, onde você esteve hoje, antes de vir pra cá? 

__ Ah! Eu já disse! Vim resolver algumas coisas no centro pela manhã, encontrei uma amiga, ficamos andando até às... 

Ela não precisava dizer mais nada. Não importa o que estava dizendo. Não precisava. Que tipo de mulher sai de casa sabendo que vai caminhar e escolhe uma dessas sandálias baixinhas? Como ele poderia querer esta mulher tendo diante de si a visão de seu pé preto? E essa mochila, então? O que significava essa mochila? Dormir com ela sim, mas acordar ao lado dela nem pensar! Rompeu-se o encanto. Não queria mais. Querer o quê? Não havia nada ali para querer! Nada desejável, nada encantador, nada. 


Levantou-se sorrateiramente enquanto ela ainda dizia qualquer coisa sobre família. A dela? Não. Algo sobre cangurus. Foi até a cozinha e, enquanto esperava a água do filtro encher o copo, colocou o celular para despertar em dois minutos. Voltou à sala, sorriu, bebeu sua água e aguardou. O telefone tocou: 


__ Opa! Só um minutinho, querida. Preciso atender. Alô? Oi, cara! Sim, pode falar! Eu? Putz, é mesmo! Eu tinha me esquecido... Mas e se a gente deixasse isso pra amanhã? Hum? Sei... Ah... poxa vida... Sério? Não, então tudo bem! Tá bom. Tá. Tá. Então tô indo praí! Abração, cara! Tchau! 


E explicou pra ela, em outras palavras, claro, que estaria com outra mulher aquela noite. E, se ela quisesse saber quem, era só telefonar dentro de duas horas. Ele certamente já teria um nome.


3 comentários:

Magno Nunes disse...

O nome dela é Jéssicaaaaaaa...

Ah, não era da música q vc tava falando? Pensei q fosse...

Joey Marrie disse...

É, quem quer saber o que o outro pensa, sente, quem quer saber quem o outro é, quando se tem necessidades mais "urgentes" a serem saciadas?

Anônimo disse...

Há que se considerar a possibilidade de que ele não estivesse interessado em se deitar, mas apenas, e tão somente, em despertar... com ou sem alguém a seu lado.
Como diria Einstein: nem tudo é sexo!
Feliz Ano Novo.