Breve o tempo de uma oração. O de comer aquelas duas laranjas quietas sob o nó do saquinho azulado. O tempo da rampa que descíamos e me deu chance de olhá-lo bem, de sentir seu cheiro no rastro, o trâmite de seus ossos, a ousadia dos cotovelos se insinuando para fora da pele. A cor daquela pele no contraste da camisa branca alinhada tanto quanto lhe foi possível. Havia esforço ali, era visível. Sua crença nas laranjas que levava suspensas à esquerda com delicadeza e no cinto para quem traz a cintura no peito. Sua fé no jeans marinho que não oferece risco. Parou já perto da catraca a procurar o bilhete nos bolsos. Minha prece por ele terminou na pequena esperança que estivesse lá qualquer coisa do mundo que ele buscasse. Porque quem trata com tal respeito duas laranjas, arrasta consigo o olhar amoroso da estranha, diminuta diante de tanta decência, eu sem importância.
24 de maio de 2015
Desaparecida
Breve o tempo de uma oração. O de comer aquelas duas laranjas quietas sob o nó do saquinho azulado. O tempo da rampa que descíamos e me deu chance de olhá-lo bem, de sentir seu cheiro no rastro, o trâmite de seus ossos, a ousadia dos cotovelos se insinuando para fora da pele. A cor daquela pele no contraste da camisa branca alinhada tanto quanto lhe foi possível. Havia esforço ali, era visível. Sua crença nas laranjas que levava suspensas à esquerda com delicadeza e no cinto para quem traz a cintura no peito. Sua fé no jeans marinho que não oferece risco. Parou já perto da catraca a procurar o bilhete nos bolsos. Minha prece por ele terminou na pequena esperança que estivesse lá qualquer coisa do mundo que ele buscasse. Porque quem trata com tal respeito duas laranjas, arrasta consigo o olhar amoroso da estranha, diminuta diante de tanta decência, eu sem importância.
10 de maio de 2015
É dia das mães.
Vejo várias mamães falando sobre a inefável experiência
materna, o amor eterno, transcendental.
Não vou falar disso. Deixo para quem transcendeu. Eu não.
Nada menos transcendental do que o cotidiano: o cocô na banheira, o xixi sem
fralda, o nariz escorrendo, a comida no chão, a tinta na boca, a birra no metrô
lotado, a briga na escola, o tombo no caminho, a febre de madrugada, a
empolgação no domingo cedo, a empolgação tarde da noite, o puxão na tomada antes
de você salvar o arquivo, o desenho na hora do jornal, o grito enquanto você
está numa ligação importante de trabalho, a impaciência no meio da história.
Toda a relação é uma construção. Inclusive aquelas onde o
amor está presumido.
O amor é um elo que precisa ser nutrido no compromisso, no companheirismo, na espera, na ação, no ritmo, nos dias.
Este é só mais um dia.
De muitos.
Em que uma mamãe ama. E espera fazer algo de bom com isso.
O amor é um elo que precisa ser nutrido no compromisso, no companheirismo, na espera, na ação, no ritmo, nos dias.
Este é só mais um dia.
De muitos.
Em que uma mamãe ama. E espera fazer algo de bom com isso.
Meu amor não é inexplicável. Ele se explica em cada
exercício que me tira do conforto individualista.
Meu amor não é transcendental. Mas quem sabe possa, assim mesmo, simples e
imanente, no esforço das ocupações ordinárias, fazer algo de bom por mim
também.
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