24 de maio de 2015

Desaparecida


Breve o tempo de uma oração. O de comer aquelas duas laranjas quietas sob o nó do saquinho azulado. O tempo da rampa que descíamos e me deu chance de olhá-lo bem, de sentir seu cheiro no rastro, o trâmite de seus ossos, a ousadia dos cotovelos se insinuando para fora da pele. A cor daquela pele no contraste da camisa branca alinhada tanto quanto lhe foi possível. Havia esforço ali, era visível. Sua crença nas laranjas que levava suspensas à esquerda com delicadeza e no cinto para quem traz a cintura no peito. Sua fé no jeans marinho que não oferece risco. Parou já perto da catraca a procurar o bilhete nos bolsos. Minha prece por ele terminou na pequena esperança que estivesse lá qualquer coisa do mundo que ele buscasse. Porque quem trata com tal respeito duas laranjas, arrasta consigo o olhar amoroso da estranha, diminuta diante de tanta decência, eu sem importância.

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