13 de outubro de 2010

Do vil

Tinha alguma coisa ali. Eu não sabia exatamente o quê, mas fato era que toda a vez que eu passava, fantasmas diziam “olá!”. Desfilavam em mim de poesias a lembranças, bolachas venezuelanas, leite na canequinha laranja, orações, palavras estranhas, outros idiomas e eu. Eu mesma passava num desfiladeiro envergonhando a do presente. Não porque havia algum feito vergonhoso, mas porque eu já não era aquela, simplesmente.

Olhar pro passado é necessário, às vezes. Não sei pra quê, mas sei que é. Reconheço. E evito. Ao mesmo tempo. Ali, no entanto, não havia como evitá-lo, porque não havia como evitar a mim mesma. É como tentar evitar que chova. Não adianta. De repente você está lá, com seu rebento, e chegam os progenitores em procissão, precisando te mostrar do que você é feito. Como se você já não soubesse, inclusive.

Eu era assim, vítima do que havia sido e nem era nada de mais. Uma vida, vivida, com erros e tudo. Nada grave, solene ou soberbo. Soberba, claro. Havia soberba entre os meus pecados, mas havia outros ainda. Indeclaráveis, indeléveis. Fajutos. Perto de tudo do mundo meus pecados eram santos. O mundo explodindo e eu reclusa naquela meia dúzia de leviandades infantis.

Mas era mais. Tinha alguma coisa ali entre aquelas pessoas. Eram ensaios de uma vida adulta o que eu via todos os dias, quando passava pelo mesmo lugar. Meus saltos fazendo barulho na calçada, as meninas me olhando, de cima a baixo. Os meninos também olhavam, só que com mais força e menos persuasão nos trejeitos. Tinham todos o frescor único daquela fase. Guardavam em si a exclusividade insustentável, os bônus e os prós de ser só de si, a falta de compromisso, o elixir não da vida eterna, mas das possibilidades infinitas. Os cabelos esvoaçantes e os sorrisos largos. Daqueles rostos poderiam sair juízes, heróis, artistas, deputados e revendedores da Avon. Eu brincava de adivinhar o que seriam porque já tinha feito isso comigo mesma umas cem milhões de vezes e errara em todas elas. Eu era meu próprio rascunho e eles também, flexíveis pedaços de gente sendo moldados pelo sol do meio-dia, na hora da saída do colegial. Estavam treinando para a vida e a vida treinando neles o que havia de ser.

Mas tinha ali alguma coisa. Eu passando por um rosto, um rosto e outro. Rascunhos. Até que descobri que o que havia entre eles era um texto.

4 comentários:

Doutrina X disse...

creveu coisas bastante subjetivas mas que levam a varios pensamentos bunitos num sou muito bom de interpretação, mas percebi que se trata do seu passeio no parque deve ter sido muito bom mesmo.

deveria fazer isso de vez enquando ia me fazer bem.

escreve muito bem =D

Magno Nunes disse...

Ahhhh Camilaaaaaa....
A essa hora? hehehe

Deixa isso pra lá, vem pra cá, vem que tem...

Lino Xongas disse...

Posso estar enganado, aliás tenho certeza de que estou enganado, mas isso não termina ai... e ai? Não termina!

Joey Marrie disse...

Ah, se a gente pudesse saber não é?
Não teria tanta surpresa e nem tanta graça...