Levou o pra sempre dela até que tudo o que eu carreguei ficasse visível. Os sentimentos ela foi digerindo a prestações, como uma dívida que não se pode pagar de uma vez só. Devia para si mesma satisfações daquele vazio imenso e não dava conta de negociar com sua sanidade o tempo que levaria. A qualquer precipitação da saudade, respondia com conspirações infinitas. Filme, cereja, memória, batida, proposta, batata, vermelho, limão, insônia, velocímetro, mel, vidro, ninho, excesso e clave de sol. Eu, do meu perto distante, predizia seus passos incidindo que ela parasse, mas minhas preces não tinham crédito desde aquela vez que dividi meu lanche na terceira série. Alterava minha perspectiva do teto para pensar com mais possibilidades o que ela estaria fazendo às 11h11, 12h12, 00h00. Meus minutos eram dela sem que nenhum de nós dois soubesse. Eu não sabia bem o que fazer do meu tempo a menos, então não me despedia. Ficava ali, mesmerizado naquela aranha. Ela tecia sua teia e eu acompanhava cada movimento, mosquito, refeição. Minha vida era dela, daquela sujeira na janela, do ventilador, todo tempo que não tinha mais a dor da menina em minhas mãos. Comigo ela sofria, mas eu estava ali, fazendo doer e assistindo. Do meu quarto eu só assistia o passado na minha versão e crença, e não levava sorrisos em contrapartida.
Para a menina, a minha dor de presente, em sua compensação. Meus não-sorrisos todos, minha falta de inspiração. Vitral, calor, clarabóia. E meu desejo de que o pra sempre dela passe na frente do meu.
30 de dezembro de 2010
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5 comentários:
Adorei o post. Feliz Ano Novo! Desejo-te toda a paz que houver no mundo!
Ah, esse texto de Drummond é uma delícia.
Beijos!
Lindo o texto. Sensibilidade aguda. Olhos caringeanos sempre abertos.
É confuso, mas confuso de um jeito áom. Não dá pra nomear pq te tira do lugar, te faz passear por várias possibilidades, te faz vivenciar cenas, te leva, traz, desconstroi...tudo com um truque muito simples que é tratar de coisas bem humanas, bem palpáveis, bem reais. Daquelas que nos esforçamos pra não olhar. E chegando aqui, vc é laçado. Depois dessa viagem toda, gentilmente posto de novo na cadeira onde tudo começou e dái vc tem que lidar, é obrigado a lidar...irreversível...
Não sei explicar bem o poder que a simples presença de alguém exerce nessa confusão.
Mas simplesmente fica suportável essa minha, essa sua, a dor dessa menina...e mais um dia é vencido.
Com vazio de sentido, com sorvete, miados ou batatas crepusculosas passamos por mais um dia. Sei que vai passar, eu sei.
A dor é que nos torna mais humanos, por que a felicidade, pura, direta e simples, é algo divino, contida em pequenas frestas da vida.
Há dores que não escolhem lugar pra doer, não dizem quanto pretendem ficar. Algumas a gente até acostuma a conviver. São assim, nossas dores...
Que lindo, isso!! O triste é sempre belo...
"E meu desejo de que o pra sempre dela passe na frente do meu."
Bjs
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