12 de abril de 2012

Um homem de muitas palavras

Recuperadas a partir de arquivos gravados em 27 de fevereiro de 2010, as imagens apresentadas a seguir são fruto de uma conversa, entre tantas que tivemos ao longo dos últimos privilegiados anos.

Notável comunicador, Magno Nunes é também um profícuo pensador por baixo de sua máscara. Sensível improvável, ele se distingue entre os bons. “Meu personagem é um homem mau. Eu sou mau que nem o pica-pau.” Ao falar de como as pessoas escolhem suas máscaras sociais desde muito cedo acaba, sem querer, delatando-se. Seu espírito afina-se com o crème de la crème da literatura brasileira. Feminina, ainda por cima. Clarice Lispector também tem sua teoria sobre as máscaras sociais e esse, inclusive, é tema que a interessa na edificação exploratória de suas múltiplas personas representadas.

Na busca de uma imagem impositiva (dominante, no vocabulário nietzschiano) Magno parece ter tido sucesso. Eleito o mais macho entre os machos do 3B (sala de graduação), ele explica: “Não tenho mestre. Que mestre o caramba. Eu não me inspiro em ninguém.” Mas há quem se inspire nele. Eu, por exemplo. Aprendi a guiar um cachorro teimoso com ele. Delicada e mulherzinha, levei bronca: “Assim, Camila. Puxa a coleira e obriga ele a parar. Faz ele sentar. Fala firme. Se você deixar ele te leva!” Aprendi. E aprendi outras coisas também.

“O amor? Ah... o amor existe. Tá por aí, mas existe.” Nada mais platônico do que pensar Eros, o mensageiro entre mortais e imortais, redundando no que existe, por aí, por lá, em todos os lugares. Nele, inclusive. Aprendi o amor com ele, amável inconfesso, Docinho, Ursinho entre as amigas, gentil por excelência, galante, muito galante, muito muito galante (mulheres, cuidado!). Mas ele insiste: “Sou mau à minha maneira.” Sim, pode ser que sim. Ríspido, indiscreto, agressivo eventualmente. E extremamente leal aos amigos.

Sagaz, Magno atropela com seu senso de humor por vezes exasperante, tanto quanto a politicagem, refletida às últimas consequências: “Não existe política. Não temos partidos de direita e de esquerda. É tudo a mesma coisa. Assim é fácil. Eu também quero entrar na política.” Mas não é político o homem que cita com admiração: Wander Wildner. O cantor punk brega é ícone da música nacional no estilo que ele mesmo criou, reconhecido internacionalmente. “Taí, 20 anos de carreira, vivendo do jeito que ele gosta, só fazendo o que ele quer, tocando no Bar B a dez reais. Do nada acabar a banda e criar um estilo não é pra qualquer um, não. Tem que ter personalidade.”

Personalidade. Sua aposta é no alternativo, na contramão, no descaminho. Não bebe, não fuma, não usa drogas. Hábitos límpidos que denotam conservadorismo. Mas é subversivo no que se refere às atividades que assume. Aboliu cartão de ponto da vida profissional. Após algumas experiências frustrantes em empresas de comunicação subdesenvolvidas, Magno olha apenas para o que acolhe sua criatividade. Mexer com o imaginário das pessoas é, no fundo, o desejo para si próprio de expansão e liberdade. À época da gravação ele ainda não estava nas rádios. Hoje está. Seu talento justifica a recusa dos ambientes estreitos. Consultar seus arquivos é um prazer.



18 comentários:

Magno Nunes disse...

Ahhhhhhhh eu tava gatinho hein?
Mais magro, com certeza tinha mais cabelo...

O tempo passa, algumas coisas mudam, mas a postura continua.

E viva a autenticidade, que muitos penam em procurar sem sucesso. =D

::massao:: disse...

hehehe muito bom =) como disse adorei o video, o corte, tudo rsrsr

mas ainda acredito que bonzinhos não se dão mal rsrs e conseguem sim expor suas opiniões sem serem passados para trás (sou bonzinho, mas bobo não rsrsr) =0)

Amanda Proetti disse...

Bela declaração de amor! =)

Magno Nunes disse...

Ahhh Massao, ai depende do ambiente onde vc vive e das pessoas que vc é "obrigado" a se relacionar...

Vc tá numa realidade, digamos, privilegiada!

Mas é nois

::massao:: disse...

hahaha boa magno!!!... mas boto em outra esfera tbem... política rsrs não é nada privilegiada, eu garanto rsrsrsrs

Joey Marrie disse...

É, Magno, "viva a autenticidade, que muitos penam em procurar sem sucesso."
E muitos julgam ter, sem verdade...

Luis disse...

"A máscara é uma forma de transmitir a verdade em vez de ocultá-la?

Sim. Mas também é o reconhecimento crucial de que a alma amorfa, inconsciente e nua é horrível.
...
Rilke anteviu o insight pós-moderno de que não há personalidade, o que existe são vários campos que se cruzam: a de que a personalidade é socialmente construída, linguisticamente construída, construída desde o berço. O erro dos pós-modernos foi postular uma nulidade por trás de tudo isso. Não é uma nulidade, é algo cru e assustador e insondável. É aquilo que Murakami procura no poço em The Wind-up Bird Chronicles. Ignorar isso é negar sua humanidade."

Jonathan Franzen em entrevista concedida à The Paris Review.

Camila Caringe disse...

Humano, portanto, para além do moderno ou arcaico, é admitir a máscara no lugar de negá-la e usá-la como instrumento de posicionamento e identidade?

Está aí uma afirmação ousada e talvez mais reveladora do que seria desejável.

Quais seriam as máscaras de um Rilke, de um Franzen que o cita? Qual seria a máscara de um Luis?

Magno Nunes disse...

Frozen?
Eu quero... ahahaha

Luis disse...

Aí é que está, Camila.

Não sei se estou de acordo com a arredondada que você dá no argumento do Franzen. Penso que a beleza e a força do que ele diz está justamente nas arestas e na rugosidade – nem tudo pode ser aparado.

Em minha opinião, o que ele expõe é, em grande medida, contrário à ideia de que as pessoas usam máscaras que escondem o “verdadeiro eu”, uma vez que aceita a intuição de que não há personalidade (Rilke). Assim, admitir a máscara (como você diz) significa, no fundo, admitir que as pessoas são como são: não há máscara, não há personalidade.

No que me concerne, não saberia te dizer qual é a minha máscara, pois eu simplesmente nunca pensei nesses termos. Como você sabe, não dou muita bola para preocupações desse tipo. Identidade, essência, verdade absoluta são noções que não me dizem nada, e considero que ganharíamos muito se as abandonássemos.

Camila Caringe disse...

É. Eu me lembro de te ouvir dizer, Luis, muitas vezes, sobre o que não te diz nada. Entram aí muitas coisas. Mas essas noções que caem no seu desprezo dizem muito à humanidade e, sem elas, não haveria filosofia (nem escritos como os de Rorty). Acho, portanto, que não seria prudente ignorá-las.

À parte isso, esquivou-se bem da pergunta.

Rogerio Barbosa disse...

Todos nós somos um "persona"
A diferença está entre ser a máscara que blinda, ou a máscara que revela (e o verbo é ser, e não ter)
A própria autenticidade pode ser uma máscara. E, esta, particularmente, me assuta, porque é a negação de todas as outras.
PArtindo do principio que somos persona, todos nós temos algo a esconder.
Daí surge o maior problema do autêntico, porque na necessidade de esconder qualquer outra face existente, precisa construir, (se construir) a maior máscara de todas.

Rogerio Barbosa disse...

Luis,
Não quero discordar, mas ousar interpretar de forma diferente um pequeno trecho do seu raciocínio. "Assim, admitir a máscara significa, no fundo, admitir que as pessoas são como são: não há máscara, não há personalidade.
Falar em máscara logo nos remete a duas personalidades: A (supostamente) real e a (supostamente) criada - a carapaça -. Na verdade quando assumimos a máscara, a persona que chamávamos de real pode deixar de existir, mas ainda resta a que chamávamos de máscara. E, restando apenas uma face (aquela que achávamos ser criada) não há mais de se falar em máscara porque restou a face única. É aí que descobrimos que o nosso verdadeiro eu não é o "real" mas a máscara.

Luis disse...

Camila,

Diferentemente de você, eu não tenho treinamento formal em filosofia. Logo, se a discussão se restringir a termos tão estritos, eu não estarei habilitado a participar dela.

Mas isso seria muito autoritário. E você não é autoritária, não é? Então eu vou supor que posso continuar falando como aquilo que sou: um cidadão comum que faz uso da palavra.

Eu não desprezo noções como identidade, essência, verdade absoluta e outras mais. E sei perfeitamente que elas têm sido objeto de reflexão de muita gente boa (filósofos, escritores teólogos etc.) ao longo da história. No entanto, eu me reservo o direito de, do alto da minha insignificância, achar que elas não são grande coisa.

Eu não vejo muito sentido em passar a vida inteira correndo atrás da essência do mundo ou de verdades absolutas (se é que elas existem). Prefiro o engajamento em, dada a contingência das nossas circunstâncias, pensar como podemos tornar o mundo menos cruel, mais solidário e mais democrático. Em vez dos pensadores que querem delinear identidades, prefiro aqueles que imaginam novas linguagens (novas formas de falar) que combatam a intolerância, a injustiça, o machismo, a homofobia, etc. Em vez de perseguir a essência do mundo, creio que ganhamos mais se nos preocuparmos em inventar novos mundos.

E no que se refere mais especificamente ao nosso tema: em vez de perscrutar o verdadeiro eu (se é que isso existe), eliminando supostas máscaras, prefiro acreditar que as pessoas podem mudar e são capazes de se descreverem continuamente de maneiras diferentes (Rorty).

Luis disse...

Caro Rogerio,

Penso que você pode discordar à vontade do que eu disse – afinal, isto aqui é uma troca de ideias, não é?

Olha, teus pontos são bem interessantes, mas, para responder algo à altura do que você diz, preciso pensar um pouquinho. Respondo em breve.

Abraços.

Camila Caringe disse...

Caro cidadão comum,

É com alívio que posso dizer que eu tão pouco gozo do que você chama de "treinamento formal em filosofia". O que posso dizer é que tenho agora apenas 3 meses de sincero esforço nesse sentido, o que não me autoriza a utilizar termos excludentes, o que aliás, não fiz.

Minha observação foi tão leiga e pública quanto a sua. Por isso, peço que não se ressinta. Essas minhas semanas de "treinamento" não precisariam sequer serem citadas.

Agora, de cidadã comum para cidadão comum, desejo esclarecer o que quis dizer: que as noções que você insiste em deixar de lado nortearam escritos como os de seu querido Rorty porque participam de idéias mais abrangentes, menos circunstanciais do que as que envolvem "intolerância, injustiça, machismo e homofobia". Aquelas desaguam nestas, ainda que por meio da negação e da desconstrução. Não há, afinal, uma discussão sobre injustiça sem a noção de justiça e, portanto, de bom, de belo, de virtuoso, de verdadeiro (além dos absolutismos que se possa ou não encontrar).

Acho suas preocupações sadias, tanto quanto as minhas.
Mas responda para o Rogerio, que a essa altura certamente está mais disposto do que eu.

Abraço

Luis disse...

Nada de novo sob o sol...

Luis disse...

Quando a dona da casa diz que não está mais disposta a falar com um convidado, o que esse convidado deve fazer?

Eu acho que ele deve sair de fininho (à francesa).