8 de fevereiro de 2015

Nossas Beatrizes


Eu me demorei alguns segundos observando, tentando compreender. Ela se aproximou um pouco desenfreada. Parou subitamente à porta, do lado de fora, abaixou a cabeça e sussurrou o que pareceu ser uma oração emergencial, sufocada. Arrependeu-se, esterçou e dirigiu para o mesmo lugar de onde estava vindo. Parou de repente, aos berros: “Beatriz, pelo amor de Deus, Beatriz, me ajuda, Beatriz, não faz isso comigo!!!! Eu tô cansada, Beatriz, todo o dia é isso!!!! Pára! Pára! Pára! Você me deixa doida, doida, doida!!! Beatriz!!!!” – disse enquanto tentava parar o avanço da criança que ia pelo vão do cinto de segurança do carrinho, fazendo a pequena cabeça de cabelinhos louros pendurar pelo pescoço, nem bem saída do carrinho, nem bem de volta ao assento. 

Em um golpe de esgarçado esforço físico, alojou a criança e saiu dirigindo o carrinho rua abaixo. 

Eu à porta, do lado de dentro, considerei primeiro rezar com ela, já que estávamos ambas na farmácia com nossas crianças no sábado à tarde e não deveria ser porque gostamos muito de levar as nossas crianças para passear na farmácia no sábado à tarde. 

Depois considerei ir ajudá-la a desenroscar o pescoço da Beatriz do cinto de segurança do carrinho, antes que a mãe afogasse a si mesma e a Beatriz em seu próprio desespero e cansaço. 

Em seguida, considerei que precisava comprar um chocolate. 
Por coincidência, estava lá o desespero encarnado e a Beatriz, na minha frente na fila: “Não, Beatriz, isso não é seu, é do mercado. Quer dizer, era, antes de você abrir, que agora eu vou ter que pagar, Beatriz. Agora come. Não devolve.” 

Daí considerei que precisávamos muito, nós quatro, descansar. 
Olhei pra minha Beatriz para constatar que, muito perspicaz, ela já dormia em seu carrinho.

Um comentário:

Jaci Amaral disse...

Uma "Beatriz" linda e esperta a tua. Prevendo e obedecendo os pensamentos da mãe sem desesperos. rsrs