Eu poderia jurar, mas não preciso. Sei que não preciso sequer dizer que não tive intenção para qualquer um que visse meu choro copioso demais para aqueles quatro doze meses. Parecia que eu chorava a vida toda e choraria ainda pra sempre em nome do mal que não me infligiram, mas que eu me infligi a mim quando feri meu pequeno amado.
De pai e mãe a gente mais precisa do que ama no começo. Do amor por eles a gente entende depois, quando não precisa tanto e mesmo assim continua querendo. Mas daquele meu amor primeiro eu nem queria nem precisava. Eu não exigia, apenas doava. Ele vinha porque queria e eu gostava. Era arredio e dócil a um só tempo. Com ele e por ele esbocei os primeiros traços de aceitação.
Kiko, chamava meu gato, cuja alma Deus havia pintado de céu. Quando Kiko estava desperto seus espelhos iluminavam de azul o mundo da terra e eu era mais feliz. De manhã, era o primeiro a acordar. Espertamente, pulava no sofá, depois nas costas do sofá, depois em cima do guarda-roupa. De lá, lançava seu corpinho magrelo em queda livre até a cama dos meus pais. Pisoteava os dois e ganhava, delicado e cheio de saudade, a minha caminha.
Os arranhões que me deixava nos braços eram tantos que eu pensava que tinha nascido com eles. Já faziam parte de mim os arranhões e eu brincava de descobrir letras neles.
Um dia o Kiko estava no meu colo enquanto eu procurava algo pra vestir. De repente, um grito de gato fez eco fundo dentro de mim. Ele gritava e eu gritava junto, sem saber o que estava acontecendo. Ambos gritando e minha mãe chega, libertando as unhas do gato, enroscadas entre as gavetas.
Ao entender o que eu havia feito, chorei mais do que o gato poderia chorar numa vida inteira aquela dor. Abracei-lhe e pedi desculpas, mas eu mesma não me desculpava. Minha mãe me sentou no sofá e trouxe água, pra me acalmar. A água mal encontrava espaço pra escorrer güelinha abaixo, minha garganta apertada que estava.
O gatinho, em lugar de fugir de mim, fez pior e me castigou: aninhou-se no meu colo e dormiu tranqüilamente.
Eu? mais arrasada ainda, chorava ao vê-lo plácido e quente, enroladinho na minha barriga. Queria ávida um perdão já concedido por ele, mas não auto-perdoado. E se ele tivesse morrido, meu Deus????
Chorei os males que não houve, até cessar.
E, antes que perguntem aqueles que me lêem, “sim, eu me lembro”...
19 de agosto de 2010
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6 comentários:
A culpa é o pior sentimento que pode existir...
Lov,U
Eu não entendo! Como é q vc fz isso com as palavras? Não entendo! Mesmo! E nem quero!!! Melhor assim... melhor...
Isso me lembra um livro de Lispector "A Mulher Que Matou Os Peixes".
Mas, calma, ela também não teve a intenção, e ela também não se perdoou. Esqueceu de dar comida aos peixinhos dos filhos que tinham viajado em férias.
Pior são os adultos. Intencionam, machucam e se auto perdoam!!
;D
Gato não perdoa, pois não busca culpado, assim como jamais ama em troca de ser amado.
Por ser assim, simples e despretencioso, ele apenas busca em seu colo aquilo que você melhor pode dar: o calor que o protege da dor inesperada.
Mais que isso seria ineficiente desperdício, portanto reserve o excedente de seus sentimentos para quem não se contenta com o essencial: para o pobre ser humano.
Que frouxa! hehehehe
Mas viu como gato é um bicho malandro, viu que vc tava toda doida e foi lá deitar contigo... safado...
Afinal, malandro é o gato que já nasce de bigodes...
hoje deixei a minha gatinha numa gaiola, dopada.
amanhã vão dar umas facadas.
não sei o quanto tenho de culpa por ter de castra-la.
li isso em uma má hora?
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