12 de agosto de 2010

Lírico

Eu acho louvável essa tentativa de ser mais criativo no cotidiano, de fazer de uma desocorrência um discurso pávido. Ouvi dizer que foi assim quando da morte de Sir Octavio Frias de Oliveira (1912-2007), cujo velório teve show de variedades e contou até com um presidente. Na redação daquela Folha pesou um climão atípico prum domingo. Não que o clima fosse normalmente muito animado para quem passava a tarde ensolarada privado da macarronada e da luz natural. Mas o 29 de abril foi mesmo um dilema.

“O querido Octavio Frias de Oliveira morreu neste...” – não, morreu não. Pode soar ofensivo.

“Nosso querido Octavio Frias de Oliveira faleceu...” – putz... faleceu? Fica hipócrita, não fica?

E seguiam as discussões sobre como anunciar a morte do chefe dos chefes. Para quem tinha que preencher oito folhas standard em poucas horas, empacar na primeira linha não era prenúncio de um dia feliz. Um domingo, ainda por cima.

Obviamente expressões chulas e vulgares eram incogitáveis. “Bateu as botas”, “pendurou as chuteiras”, “apertou a mão de Deus esta manhã” estavam absolutamente banidas, até porque, pairavam dúvidas sobre a mão de quem ele estaria apertando. E ainda mais essa! Dependendo de onde Dr. Frias estivesse, a vingança poderia chegar mais rápido! E ninguém ia querer ser despedido por um defunto, até porque não tem nem graça, né? Iria ser via fantasma? Via sonho? Via destino infeliz até que a demissão fosse inevitável? Melhor não arriscar.

Mas eu, no lugar deles, seria mais criativa:

“O senhor Octávio Frias de Oliveira (1912-2007) teve uma síncope da qual não retornou na manhã deste domingo...”

“O querido chefe de nosso grupo de conteúdos informativos se ausentou definitivamente deste planeta, deixando sua contribuição eterna aos cidadãos...”

“O cavaleiro da verdade e defensor dos direitos da comunicação neste País foi considerado pelos médicos 100% extinto na manhã deste 29 de abril...”

“Octavio Frias, lamentavelmente, se retirou da vida.”

Não precisa perder muito tempo com isso, vai! Ainda tem a foto!

_ Não... essa não... Aqui ele parece tão abatido...
_ Essa!
_ Não... essa não... Essa foto é velha, não tem nem resolução pra impressão...
_ E essa?
_ Olha essas olheiras! O que a família vai achar disso???
_ Tá...

4 comentários:

Lino Xongas disse...

Eu acho que certas coisas, ou certas pessoas, são produtos de marketing, pura e simplesmente e, como tal, precisam existir além da existencia, senão... o que seria feito de seus ávidos dependentes? Algumas imagens são como droga e sua abstinência causaria convulsão existencial. Imagine as viúvas do Pelé sem as histórias do glorioso Santos para contar aos netos; o Galvão Bueno sem o Airton Sena ou até mesmo o Junior sem a Sandy (ops, ela ainda não morreu... quer dizer... ela não morreu, mas a dupla sim). Obviamente não estou dizendo que tais imagens não tiveram seu valor, mas defendo o direito de um bom descanso... até mesmo para os mortos.
Eu simplesmente diria: “O cara está descansando, portanto vão cuidar de suas vidas, seu bando de parasitas”.

Alex Demian disse...

completamente genial

'foi considerado pelos médicos 100% extinto'
hah

Joey Marrie disse...

É, eu também fico com a do "100% extinto". Soaria bem.
hahahaha

Magno Nunes disse...

Eu já voltou pra ler isso direito...