28 de setembro de 2010

Do flerte líquido – pra quê serve?

Ele podia ter dito qualquer coisa, sei lá. Desde um clichê do tipo “oi, você vem sempre aqui?” até um trecho de Camões, um soneto de Vinícius, Shakespeare ou Xuxa na fase romântica. Se de nada servisse, teria me feito rir, pelo menos. Mas não. Do nada:

_ Vai chover hoje.
_ É...
_ Nossa, você se parece muito com uma ex-namorada minha.
_ Hum.
_ Aliás, você tem namorado? Você é muito linda e...


...Eu já estava do outro lado da rua me enfiando na primeira loja que vi na frente. Comprei um lenço xadrez lindo, diga-se de passagem. Lilás e preto.

Mas... o que será que ele queria que eu dissesse? Tipo:

_ Nossa! Jura que eu me pareço com a sua ex-namorada? Que legal! Vou adorar se você trocar nossos nomes!

Ou:

_ Eu? Me pareço com a sua ex-namorada? Ah... tadinho... Tá com saudade dela, tá? Vem cá, vem.

Haja paciência. Esse tipo de gente, mesmo que de terno numa travessa da Paulista, desperta nossos instintos mais primitivos.

...O de correr, no caso.

27 de setembro de 2010

Intermúndio

Felicidade pode ser carro, emprego, família, filhos, almoço, loteria, amor, amizade. Pode ser cabelo, unhas, peitos. Pode ser casa. Pode ser escola. Pode ser sapato.
...Ou pode ser papel picado.


A inocência da cena que não vi me lembrou aquela dos Filhos do Paraíso. Era felicidade de criança...

No meio do caos cinza de uma ave sem ninho e sem graça, entre carros passantes e poluição notável, fez-se silêncio na calçada. Duas crianças (dali mesmo) brincavam esquecidas do desimportante. Cada uma, a sua vez, rasgava um pedacinho de papel, lambia escrupulosamente o quadradinho e colava no rosto da outra. A cada pedaço branco cheio de saliva que aplicavam com sucesso, caíam na gargalhada. Àquela altura, as carinhas já estavam cobertas de papeizinhos.

...e não tinha explicação.

24 de setembro de 2010

Histórias da pós-modernidade / relatos de expediente

Minha filha tem quatro anos e eu sempre a coloco na caminha pra dormir. Tenho uma pasta no meu Ipod com várias músicas que ela gosta. Músicas infantis, Xuxa e tal, a pasta tem a fotinho dela, até, e eu coloco pra ela ouvir alguma coisa toda a noite. Ontem eu disse assim:

_ Vamos dormir, filhinha. Hoje você pode até escolher a música. Qual você vai querer?
_ Aquela, da Lady Gaga, pai!
_ Hum?
_ Aquela, assim: nã nã nã nã – e começou a cantarolar um trecho da Bad Romance.
_ Qual? Essa? - e coloquei a música pra ela.
_ Essa! Essa mesma! - ela respondeu já dançando.


Daí, me dei conta: realmente estamos num mundo globalizado.

21 de setembro de 2010

"É hilário."


"Foi assim: o candidato do 14, que é de um partido que apóia o Serra (PSDB), usava esse mesmo comitê aí. Durante a campanha ele sempre reunia mais gente que o candidato do 13 (PT). E o povo ainda dizia que o candidato do 13 pagava gente de outra cidade pra engrossar os comícios dele.

Eis que no dia da apuração, o 14, nas parciais, estava mais de mil votos a frente do 13. Só que o 13 conseguiu uma virada com urnas que, dizem as más línguas, não continham o número de votos suficiente para essa virada.


Daí, dá-lhe processo em cima disso. Surgiram provas, vídeos e testemunhas da compra de votos por parte do povo do 13. Nove meses depois saiu uma liminar afastando o prefeito e dando a cadeira da prefeitura pro 14. Novamente, as más línguas contam que, com uma certa "ajudinha financeira" da governadora do estado, que é do PT, um mês depois o 13 voltou.

É um tal de recorrer dos dois lados. Ora a decisão favorece um, ora outro. E a população acompanhou essa divergência política. Virou rivalidade mesmo. Agora vem e me aparece essa: o comitê de apoio ao Jatene, candidato do partido 14, ficou no mesmo lugar de antes. Mas a casa em cima foi alugada pra um funcionário do prefeito. Daí a enorme propaganda da Dilma lá em cima.

O povo é tão provocador que, quando o cara tá lá na casa, as pessoas que trabalham no comitê botam os jingles no volume mais alto, só pra perturbar. É hilário. Esse lugar aí fica bem em frente a minha casa. Logo que eles botaram isso aí, eu sempre saía de casa com um sorriso no rosto. Não há quem veja isso e não ria."

Relato e retrato de uma Cl@risse, de algum lugar de um Pará.

14 de setembro de 2010

Hum?

"Número de famintos crônicos cai pela 1ª vez em 15 anos, diz FAO"

Isso não me parece uma boa notícia e não há nada para comemorar.

"Fome crônica atinge 925 milhões pelo mundo, diz agência da ONU.
Organização cita melhora econômica e queda de preços de alimentos."


Ah, só? Só 925 milhões de pessoas estão com fome crônica?

...Fome crônica?
Eu já me sinto mal se demoro pra almoçar. Como será que é estar no lugar dela...



Foto de 26 de novembro de 2008 mostra mulher
chorando de fome em campo de refugiados
internos em Kibati, na República Democrática
do Congo. (Foto: AFP)
...Todos os dias?

10 de setembro de 2010

Da primeira vez que ri de mim

Depois de procurar no estojo, debaixo do caderno e no meio do livro, fui até a tia Cida, professora do pré:

_ Tia Cida... não estou encontrando meu lápis. Acho que alguém pegou ou eu perdi. Empresta um pra mim?
_ Não vou emprestar. Procura direito que você acha.
_ Eu já procurei, mas não tô encontrando...
_ Até eu sei onde está! Procura direito.


Voltei pra minha mesinha e procurei mais um tanto.

_ Professora... não achei!
_ Ah... não é possível. Classe! A Camila não está achando o lápis. Vocês estão vendo o lápis dela?
_ Siiiiiiimm!!!!! – em coro.
_ Mas não digam onde está. Ela vai encontrar sozinha.


Senti uns olhares estranhos pro meu lado, como se eu não estivesse sendo coerente. Voltei pro meu lugar e procurei por toda a parte. Cansada e desesperada com a lição, que estava atrasando, coloquei as mãos na cabeça, num gesto de desespero.

...E achei o lápis. Bem ali, atrás da orelha direita. Tinha visto o açougueiro com o lápis daquele jeito e achei mó legal. Coloquei-o ali e me esqueci!
Comecei a rir sozinha e a menina do lado me olhou.


_ Achei meu lápis!!!

Ela fez uma cara de “sai pra lá com a sua doidice que pode ser contagiosa” e eu voltei a escrever, toda contente da vida de seis anos.

9 de setembro de 2010

Addicted

_ Smoke?

_ No.

_ Drink?

_ No.

_ Drugs?

_ No.

_ Love?

_ Yes, trying to quit.

8 de setembro de 2010

No limite

Eu trabalhei no sábado, no domingo, na segunda e na terça. Mas na madrugada da quarta eu surtei. Até lá, deu tempo pra pensar em muitas coisas. Lembrei do meu sofá xadrez, do Gilberto na terceira série, do Breakfast at Tiffany’s e da minha perna esquerda, que não parava de doer.

Aliás, lembrei de muitas partes do meu corpo. Dos punhos, dos cotovelos, das costas e da nuca. E do cérebro! A dor me fez lembrar que eu tenho cabeça ainda. E o enjôo. Fazia tanto tempo que eu não me sentia tão cansada que não me lembrava mais desse enjôo.

Mas quando fui pegar leite quente na máquina de café da copa e só saiu chocolate diluído em água, percebi que tinha chegado ao fundo do poço. Juntei minhas coisas e saí rindo sozinha, na garoa fina da Augusta às 5h. Um menino se despedia de uma menina perguntando “quê cê vai fazer amanhã?”. Fosse ela eu dava um coice nele.

...E dei. Mas num outro menino.

No dia seguinte, depois do almoço, alguém perguntou:

_ Se sente melhor, agora? Não, né?
_ Sim, sim. Tô melhor. Estou alimentada, pelo menos.
_ É... essas coisas são básicas. Dormir, tomar banho e comer.
_ Não. Dormir e tomar banho é luxo. Só comer é essencial.



6 de setembro de 2010

Mistério do Planeta




Vou mostrando como sou
E vou sendo como posso,
Jogando meu corpo no mundo,
Andando por todos os cantos
E pela lei natural dos encontros
Eu deixo e recebo um tanto
E passo aos olhos nus
Ou vestidos de lunetas,
Passado, presente,
Participo sendo o mistério do planeta
O tríplice mistério do "stop"
Que eu passo por e sendo ele
No que fica em cada um,
No que sigo o meu caminho
E no ar que fez e assistiu
Abra um parênteses, não esqueça
Que independente disso
Eu não passo de um malandro,
De um moleque do brasil
Que peço e dou esmolas,
Mas ando e penso sempre com mais de um,
Por isso ninguém vê minha sacola

1 de setembro de 2010

(((medo)))

_ Em quem você vai votar?
_ Na Vilma!
_ Vilma?
_ É! Na mulher do Lula!