O jornal no chão, dois dados vermelhos pendendo por detrás
de espelhinho junto com uma fitinha de Santo Expedito e o símbolo do feng shui.
Fazia mais de ano não lavava o carro.
_ E eu não sei? Hum. Se vê!
E a espera contando tempo de mil anos.
Era pouca a chance, tinham de ser rápidos, seguros, cada um
no lugar de combinação, freio, segredo, a planta na mão, plano perfeito. Não
tinha como sair errado.
Do outro lado da rua a viram chegar, olho baixo, contando
passo, cabelo liso escorrido, mechinha no rosto a menina tira charmosa, ganha
dez da plateia que quase desiste do empreendimento. Um deles resolve rezar,
pedindo a proteção de Deus e do anjo para o que vai fazer, com mocinha rica
nunca tinha mexido e se não desse trabalho extra estranharia. Checou a
medalhinha de uma Nossa Senhora sabe-se lá do quê no peito, colocou pra dentro,
gola acertada, mão no retrovisor e a menina vindo, o pezinho róseo na
sandalinha delicada, devia ser um amor a belezinha.
O outro perguntou se era mesmo, porque aquela roupa nunca
tinha visto, não conhecia, era mesmo? Era. Ela mesma. Não ia ser sacrifício
tratar bem tão bonita, que uma semana ou duas o caso já estaria resolvido, ela devolvida,
um pouquinho do cabelo cortado pra assustar a família e talvez unha, que é
perto do dedo e faz mais efeito de baque, fica aí material pra DNA.
A menina com caderno na mão e vindo, os fios claros, quase
louros, a mão delicada ajeita atrás da orelha, desavisada, um passo depois
outro já na direção da porta quando salta um desconhecido à sua frente e
anuncia seu sequestro.
A menina pálida e sem voz não consegue avisar, não consegue
dizer, só espera entrar no carro pra desmaiar. Semi-acordada semi-não, olha pra
cara dos cretinos incrédulos, a carteira dela na mão, menina rica atestada
inútil. Tiveram mesmo que matar a empregadinha.