14 de janeiro de 2013

O amor e seus castigos


Ele devia ter lá seus 60 anos quando sua mãe o pariu pela segunda vez. “Leva um casaco, meu filho.” Foi assim. Da primeira vez não conta. Não foi parto natural. Ele que se resolveu nascer quando fez 30 anos na barriga dela. Um homem nu e feito deixando o útero da mãe para dizer em seguida: “Aqui é frio. Lá dentro era mais quentinho.” 

Não sou crítica de teatro nem nada, mas a peça "Amor de Mãe – Parte 13" tem no mínimo três grandes trunfos. O primeiro se trata de atirar na nossa cara o quanto impura e imprópria é a forma como amamos, quanto egoísmo pode ser incorporado nos gestos aparentemente tão justificáveis de proteção: a mentira, o mito, o exagero, o claustro, a punição. Muita falta de amor cabe no argumento do amor. 

O segundo grande trunfo é a obviedade que não vemos: o amor, queridos, não basta. E é um gesto de amor reconhecê-lo e separar-se. Na história fictícia entre uma mãe que não quer parir o filho no mundo mau e o filho que cresce a despeito do rigor dela, fica nítido o mal estar do lugar estreito. Mas a mensagem extrapola a relação maternal. Quando o desgaste se impõe, é hora de partir. 

O terceiro é o reconhecimento do outro, da liberdade do outro, do outro enquanto outro mesmo, sabe?, aquele que não sou eu, que não pode estar infinitamente submetido às minhas vontades – por mais nobres que sejam, e nunca são tão nobres assim. Eu não posso dar liberdade ao outro, porque isso não me pertence. É preciso reconhecer a liberdade do outro e amá-lo no seu lugar. Isso é respeito. Isso é aceitação. 

No caso dessa mãe, levou muitos anos, muitos mitos, muitas mentiras, muito esforço, muita invasão, muita violência até que a verdade se mostrasse imperiosa. Quando disse ao filho para levar um casaco e aceitou sua partida, ela finalmente o pariu. 

Serviço 

Amor de Mãe - Parte 13

de 10/01 a 09/02
quintas e sextas às 21:00
Até R$ 10

SESC CONSOLAÇÃO 

http://www.sescsp.org.br/consolacao

Rua Doutor Vila Nova, 245

Vila Buarque - Centro

São Paulo/ SP
(11) 3234-3000

2 comentários:

Joey Marrie disse...

O amor não é o suficiente porque amamos de forma egoísta, aliás, nos relacionamos de forma egoísta. Está lá o outro e, por amá-lo, muitas vezes agimos como se fossem fantoches de nossa vontade. Ignoramos sua individualidade e aí tudo desanda.

Amanda Proetti disse...

Que coisa linda! Que texto lindo! Pra variar, né, Camila Caringe?! E eu perdi essa peça?! Que pena!!!! =/