O som dos passos das sandálias da minha avó no bege dos blocos da rua até o portão verde.
Eu sabia que estávamos chegando naquele lugar pelo som dos passos dela. Era um som seco de pedrinhas no ladrilho que não se demoravam no choque. Um atrito bem breve alimentando a ansiedade do próximo passo pra chegar, depois de muito tempo no ônibus e o enjôo do cheiro de combustível queimado.
Anos de tardes depois, reparei no som dos passos que primeiro eram distintamente audíveis, contáveis, mas logo se confundiram em um difuso burburinho. As vozes de cima, das cabeças, abafaram o barulho dos pés usando o asfalto. Eram vozes que gritavam palavras de ordem contra o capitalismo, contra a pobreza, contra a opressão, contra a política imperialista, contra a guerra, contra o analfabetismo, contra o racismo, contra o uso de agrotóxicos, contra os transgênicos, contra a TV Globo, contra.
Quando a tempestade das 17h começou, muitas pessoas correram para debaixo de toldos ou reentrâncias de cimento, buscando preservar minimamente seus investimentos de energia, saúde e material.
Com a câmera encharcada nas mãos, encolhi em um canto de loja, no segundo degrau, às portas de uma moradia humilde, cuja dona tentava precariamente proteger a si mesma e seus pertences dos passos que avançavam para cima do seu corpo, do seu leito, das suas roupas, do seu cobertor seco, do papelão que virava tapete de estranhos no progresso da multidão.
Contemplada em cada frase de ordem na hora da passeata, na hora da chuva não existia mais.
2 comentários:
Faz tanto tempo...
Tanta coisa aconteceu desde a última vez que nos falamos. Você fez o mestrado na São Bento? Continua estudando semiótica? Continua lendo Kant?
Desde 2012, 18 de dezembro se tornou uma data especial.
Beijos.
Alexandre
Ai-meu-Deus!
Que saudade de você, cara!
Vou te escrever AGORA!
Pérae!
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