31 de março de 2009

Quando o invisível nos salta aos olhos

Ali, num cruzamento, entre construções ostensivas, onde nenhum desconto é o bastante para o consumo justo e justificável, ele vagava cambaleante com uma moedinha numa mão, e a outra vazia.
Desistido de entender sua própria realidade, mas também a outra que não era a dele, não entendia mais nada, e nem queria mais.

A temerança substituiu a temperança e era somente com ela que ele batia de levinho, a mãozinha fraca no vidro fumê que acelerava um pouquinho à sua aproximação. Só por higiene, nada pessoal.
Quem tinha a sorte de vê-lo, passando bem diante dos faróis, notava logo a desdita e desviava a mirada. Outras poluições eram bem menos desagradáveis do que aquela, inútil que era, pousada num ser sem banho.

E os passinhos seguiam cambaleando o ser, equilibrando uma existência em quase nada, no meio fio da falta de valor. Afinal, que valor pode ter alguém sem banho e sem mais moedas a não ser as que lhe dão? Nenhum, é claro! O valor de alguém vem das moedas que tem e alguém que tem moedas decerto teria um banho também.
O rostinho apagado e puído, escondido numa fragilidade vergonhosa e envergonhada, mal podia deixar que seus olhos se mostrassem àqueles a quem olhava sem ver.

Como se vestisse um saco de pão e um sapato antes gasto do que jazia agora a seus pés, tudo lhe ancorava e lhe desistia. Até que o semáforo, corado de falta de jeito e desaprovação, aliviou-se em permissão para que todos se livrassem de tamanho constrangimento. Todos, menos um. E aquele semáforo entendeu a relatividade de Einstein em menos de um segundo.

5 comentários:

Chico Junior disse...

Que narr'ativa. Me fez ouvir as cores e sentir os descoloridos.

Magno Nunes disse...

Nossa...
Sem palavras...

E nem o tilintar das moedas...

Amanda Proetti disse...

"O valor de alguém vem das moedas que tem e alguém que tem moedas decerto teria um banho também."

Sempre tudo isso aqui me provoca um "sem ar" sem medida. Há tempos, porém, não perdia a completa respiração por falta de espaço para qualquer oxigênio diante de tanta lucidez "no ar"!

PARABÉNS, meu bem! Pelo texto, é claro, mas muito mais pela sensibilidade que justifica todo o resto de seu brilhantismo!

Joey Marrie disse...

E aquela única moeda bem poderia ser o seu coração que ele mantinha vivo em sua mão, para lembrar a si mesmo que era um ser humano, mesmo sem banho, e que fazia parte do mundo...

Bjão Camila ;D

Anônimo disse...

"- Toma, o senhor precisa mais disso do que eu!"