30 de dezembro de 2010

Para uma menina com uma dor

Levou o pra sempre dela até que tudo o que eu carreguei ficasse visível. Os sentimentos ela foi digerindo a prestações, como uma dívida que não se pode pagar de uma vez só. Devia para si mesma satisfações daquele vazio imenso e não dava conta de negociar com sua sanidade o tempo que levaria. A qualquer precipitação da saudade, respondia com conspirações infinitas. Filme, cereja, memória, batida, proposta, batata, vermelho, limão, insônia, velocímetro, mel, vidro, ninho, excesso e clave de sol. Eu, do meu perto distante, predizia seus passos incidindo que ela parasse, mas minhas preces não tinham crédito desde aquela vez que dividi meu lanche na terceira série. Alterava minha perspectiva do teto para pensar com mais possibilidades o que ela estaria fazendo às 11h11, 12h12, 00h00. Meus minutos eram dela sem que nenhum de nós dois soubesse. Eu não sabia bem o que fazer do meu tempo a menos, então não me despedia. Ficava ali, mesmerizado naquela aranha. Ela tecia sua teia e eu acompanhava cada movimento, mosquito, refeição. Minha vida era dela, daquela sujeira na janela, do ventilador, todo tempo que não tinha mais a dor da menina em minhas mãos. Comigo ela sofria, mas eu estava ali, fazendo doer e assistindo. Do meu quarto eu só assistia o passado na minha versão e crença, e não levava sorrisos em contrapartida.

Para a menina, a minha dor de presente, em sua compensação. Meus não-sorrisos todos, minha falta de inspiração. Vitral, calor, clarabóia. E meu desejo de que o pra sempre dela passe na frente do meu.

28 de dezembro de 2010

Na praia

Lindo. Uma graça. Fiquei olhando ele se movimentar com elegância na minha frente. Passava, pra lá e pra cá, desfilando seu modelo de sunga comum.
...Olhos e cabelos castanhos, sobrancelhas expressivas. Reparei que, de leve, ele estava flertando com a possibilidade de estar ali mais perto.

_ Oi.
_ Oi - ele respondeu surpreso.
_ Qual o seu nome?
_ Lucas.
_ Quantos anos você tem, Lucas?
_ Sete.
_ Quer brincar?
_ Quéééééro!

7 de dezembro de 2010

Indecifrável

É que tem hora que a gente não se diz e vem alguém e faz. Não sabendo do que eu falava, ele disse mais do que diria se soubesse, quando disse que "a distância impõe uma série de protocolos de distância. Ou você se acostuma ou não".

Ele falava do Feminino Inicial. Eu, do masculino. Mas dava na mesma.

...toda lembrança é uma saudade que foi vivida pela metade. Toda relação encerrada é como se os olhos ficassem doentes. Desaprendem a olhar. Os olhos de dentro são diferentes do de fora. Os de dentro transam com o timo a toda hora.

Não pode haver espaço para sonhos. Não existe onirismo quando há a possibilidade do tato. O máximo que se pode deixar alguém é na modorra do gostar. Nesse estado é possível provocar o susto. É como se naquele momento que antecede a passagem do sonho a memória precisasse sofrer um assalto. O amante precisar ser um ladrão de sonhos. É roubar o protagonismo de Freud.

Amor não tem projeto para futuro. Os romances mais premeditados pelos corpos acontecem pelo acaso das almas. Certas liberdades se disfarçam, na maioria das vezes, de solidão. Amor bom começa embaralhado para chegar ao final completo. O que importa numa relação é a incerteza do limite.

Sou um provençal no amor. Me rasgo, atassalho, me sangro e arranco o cascão sem pudor. Vejo as cicatrizes mais límpidas com o sangue cristalizado. Todas as minhas raízes ficam sempre à mostra porque elas adoram publicidade de dores.


Do Jornalista Bossa Nova.

4 de dezembro de 2010


22 de novembro de 2010

L.M.

Ele foi mais do que um professor. Ele ainda é meu professor. Um mestre, um exemplo, um sem par. Peguei a fila e, no meu livro que era dele, escreveu:

“À Camila, uma das inteligências mais dinâmicas e perspicazes que conheço, algumas dúvidas sobre a vida, o universo e tudo mais. Beijos.”

Acreditar eu não acredito. Mas tenho provas de que foi assim.

19 de novembro de 2010

Zurzida e após

Ainda submersa naquela aparição que era eu mesma pra mim, fantasmagórica e perdida, sentei, apática e sem vontade, no banco. Mal sabia eu que adicionaria àquela cena, mais tarde, uma musiquinha italiana, do tipo trilha-sonora-de-desenho-da-tv-cultura, instrumental. Naquela hora eu não sabia, então o leitor que acrescente o fundo, privilegiado que está pela insider. Pois bem, que era eu sem pretensão, procurando nos outros rostos o que faltava no meu. Uma certa malícia, força, volição. Eu olhava ao redor, esmilingüida e sem expressão, querendo qualquer coisa. Foi quando Deus entrou. As portas do vagão se abriram e ele veio andando, humilde, resignado, com as costas curvadas, cansado, emagrecido, senhorinho, de boné, com a barba por fazer e os cabelos sem melanina. Foi-se encaminhando pra dentro lento, mas não tão lento, apoiado numa bengalinha que era, em verdade, um guarda-chuva longo que lhe fazia às vezes de apoio. Veio vindo em minha direção e sentou-se à frente, bem perto, bem diante dos meus olhos. Ele trazia enrolado a si uma bolsa, dessas bolsas finas, como pastas, onde não cabe muita coisa. A bolsa pendia das costas e ele a ajeitou no colo. Ansioso, tirou de dentro um saco preto e, de dentro do saco, uma embalagem. Com seus dedos trêmulos e enrugados, começou a censurar o pacote de plástico. Mexeu daqui, dali, e foi me dando tempo de reparar na falta de substância. As duas pernas dele juntas davam uma minha, e eu sou magra (1,69/59). Ele fazia força, puxava com cuidadinho um fio e outro, rasgava mais um pedacinho e seguia livrando sua pequena preciosidade da capa inconveniente. Eu enxergava algo prateado, mas não identificava o que era. Minha estação chegou e levantei, bem a tempo de vê-lo tirando de dentro da bolsa azul-escuro um rádio de pilha. Ele estava assim, todo orgulhoso de si, conectando o fone no radinho, quando parti e deixei meu Deus à mercê de sua felicidade simples. No próximo, naquela dignidade infinita que eu protegeria com a minha própria, achei um Deus que me lembrou por que ainda valia à pena viver.

15 de novembro de 2010

O mundo é da calça jeans

“O tamanco é menor do que o pé dela” – pareceu pra mim violento e doce o fato de que uma negra dona de tal corpulência se equilibrasse em tamancos tão menores. Não eram um só número menor. Deviam ser uns dois ou três, porque parte alguma do pé se encaixava bem ali. Era violenta aquela constatação, porque eu mesma já havia cedido meus quadris à grama, por não agüentar meu próprio peso em sapatos fofos, enquanto ela, ela, continuava firmemente auto-sustentada. Eram pés fortes, descendentes de panturrilhas fortes. Mas a feição beirava de perto a serenidade, não fosse pela excitação de estar naquele show, ouvindo Cash na voz da Norah. Era extasiante, nós duas sabíamos. E por isso era doce. Porque as unhas dela estavam pintadas do mesmo vermelho que o vestido do palco. Estavam bem-feitas, enfeitando a ponta dos tamancos cuja antiga dona deveria ser menor. Eu ali, entre pés, pernas e bundas, ouvi dizer que “the Sun is shining now... it’s shinig on” us.


1 de novembro de 2010

The Economist sounds bitter about our outcome

Dois, entre os três destaques diários na home da Veja britânica, The Economist, versavam sobre as eleições brasileiras na tarde deste primeiro de novembro. E a The Economist, que não apresenta matérias assinadas e preza pela uniformidade do discurso e a clara opinião do veículo enquanto corporação, parece não ter se agradado do nosso resultado.

Nem estou aqui falando sobre o resultado em si que, diga-se de passagem, diz respeito aos brasileiros. Mas acompanhe minha livre tradução de alguns trechos do texto, que não chamo de matéria:

"[...] Ao escolher entre continuidade e experiência, os brasileiros escolheram continuidade.
No dia primeiro de janeiro a senhora Rousseff se tornará a próxima presidente do Brasil e a primeira mulher a ocupar o cargo. No fim das contas, foram os mais pobres e menos desenvolvidos do nordeste que a colocaram no posto. Ricos e bem-educados preferiram Serra, mas o Brasil tem menos destes. [...]"


Entre os comentários do público:

"Lula’s foreign-policy adventurism"? "Lula in lipstick"? Come on, The Economist. You can do better than that.

Eu gostaria de acreditar, mas não. Acho que a The Economist não pode fazer melhor que isso.

Leia o original: No surprises this time

29 de outubro de 2010

Exatas

Trabalho nove horas por dia. Mais uma de almoço, são dez. Mais uma hora pra ir, uma hora pra voltar, são doze. Dormir oito, são vinte. Duas horas para higiene pessoal e sobram duas. O que se faz em duas horas?

Não dá pra assistir um filme em duas horas. É preciso mais.
Em duas horas eu varro a casa, arrumo os sapatos num canto, rego as plantas, lavo a louça, esquento um bolinho e como um petit gateau. Daí tenho que ir dormir correndo, acordar correndo, tomar banho rápido e ir pro trabalho voando.


Embalada por pensamentos sombrios, fui ter com a promessa de um almoço maravilhoso.

_ Ahhhhhh... que sol gostoso! – falei espreguiçando.
_ É, não é? Esse sol lindo e eu trabalhando o dia inteiro.
_ Pois é! Tá vendo! Esse sol lindo e a gente debaixo daquela luz branca azeda. Horrível! Era pra gente estar chutando a água na beira do mar, Edi!
_ ...É... Chutar a água, deitar no sol, as crianças gritando, caindo de cara, comendo areia... É lindo, não é? Criança fazendo castelinho, comendo areia, os pais nem olhando... Os machos desfilando na praia, com o peito estufadinho para atrair as fêmeas... Muito legal assistir essas coisas...


...Mas legal MESMO é ter uma hora que compense as outras nove.

22 de outubro de 2010

Mater

Aquela maternidade parecia um afresco. Uma madona doando leite numa cena urbana. O peito um menino sugava, com a garra de quem se apropria da própria vida, doce, afoita e milagrosamente. Entre a cabeça do pequeno e o ombro da mãe, cabia ainda o maiorzinho, que desfalecia no sono infantil de qualquer-lugar-serve. Estava assim quando projetou suas pupilas nas minhas, negras, vívidas e cheias de vontade de ser mãe, e me acertou a alma o indistinguível contorno preto, denso, no rosto branco marcado. Era como uma chama trepidante e insistente tamborilando dignidade naquele vagão de gente. Ainda por cima, usava as pernas pras sacolas. Mas os filhos? Tinham mãe aqueles filhos dela.

16 de outubro de 2010

Gratuitas

_ O Laerte disse que eu tenho olhos de Capitu. Você acha?

_ Olha, se você tem olhos de Capitu eu não sei. O que eu posso dizer é que durante um bom tempo eu tive dúvidas sobre a sua pessoa.

_ Como assim?

_ Ah... eu achava que você era um lobo em pele de cordeiro.

_ E agora? Agora você sabe que eu sou um cordeiro em pele de cordeiro?

_ Não. Agora eu sei que você é um cordeiro em pele de lobo.

_ !!!

14 de outubro de 2010

Protestas

Aos poucos ela foi descolorindo, perdendo o viço. Mas não era nada radical. Aliás, quase não se percebia. Nem ela mesma percebia o quão amargo era aquele individualismo fundamentalista de que se servia involuntariamente. E foi num dia igual aos demais que não percebeu outra vez, mas a sua própria falta de ideologia lesionou sua honra irremediavelmente.

Os funcionários todos queriam cesta básica. Já haviam tido aquela conversa milhares de vezes na cozinha, na sala de fumar, nos banheiros e pelos cantos das baias, em voz baixa. Então ela decidiu falar, porque não era mesmo de ficar quieta.

_ Chefe, queremos um aumento.
_ Quem queremos?
_ Todos.
_ Todos quem?
_ Nós.
_ Não, eu não quero.
_ Nós, assalariados pra menos.
_ Ah.
_ Mas aceitamos uma cesta básica mensal, além do vale refeição que recebemos.
_ Ah.
_ Então estamos conversados?
_ Sim. Diga a todos que eu neguei.
Arriscado. Ela se gabava de não entrar em brigas assim como de não sair delas.
_ Acho que não vou dizer, não.
_ Não?
_ Não. Diga você.

E ele foi dizer:

_ Florisbela, logo você? Nós a recebemos com tanto carinho nesta casa. Está descontente?
_ Hã? Eu? Não. Eu não. Eu não disse nada...

E foi assim. Um por um. Foi naquela tarde que ela se matou. Sem sangue, sem choro, sem vela. Matou dentro dela aquela que sentia alguma solidariedade pelo povinho mais ou menos. Então a cesta básica a interessava mais do que a todos os outros? Pois bem. Só de raiva não quis mais ser amiga de Orkut daquele pessoal e saiu deletando, de uma tacada só, recepcionista, auxiliar geral, administrador e um ou outro assessor. O cúmulo! O cúmulo! E se trancou dentro dela pra não sair mais.

_ Bom dia, bom dia. Bom dia, chefe.

13 de outubro de 2010

Do vil

Tinha alguma coisa ali. Eu não sabia exatamente o quê, mas fato era que toda a vez que eu passava, fantasmas diziam “olá!”. Desfilavam em mim de poesias a lembranças, bolachas venezuelanas, leite na canequinha laranja, orações, palavras estranhas, outros idiomas e eu. Eu mesma passava num desfiladeiro envergonhando a do presente. Não porque havia algum feito vergonhoso, mas porque eu já não era aquela, simplesmente.

Olhar pro passado é necessário, às vezes. Não sei pra quê, mas sei que é. Reconheço. E evito. Ao mesmo tempo. Ali, no entanto, não havia como evitá-lo, porque não havia como evitar a mim mesma. É como tentar evitar que chova. Não adianta. De repente você está lá, com seu rebento, e chegam os progenitores em procissão, precisando te mostrar do que você é feito. Como se você já não soubesse, inclusive.

Eu era assim, vítima do que havia sido e nem era nada de mais. Uma vida, vivida, com erros e tudo. Nada grave, solene ou soberbo. Soberba, claro. Havia soberba entre os meus pecados, mas havia outros ainda. Indeclaráveis, indeléveis. Fajutos. Perto de tudo do mundo meus pecados eram santos. O mundo explodindo e eu reclusa naquela meia dúzia de leviandades infantis.

Mas era mais. Tinha alguma coisa ali entre aquelas pessoas. Eram ensaios de uma vida adulta o que eu via todos os dias, quando passava pelo mesmo lugar. Meus saltos fazendo barulho na calçada, as meninas me olhando, de cima a baixo. Os meninos também olhavam, só que com mais força e menos persuasão nos trejeitos. Tinham todos o frescor único daquela fase. Guardavam em si a exclusividade insustentável, os bônus e os prós de ser só de si, a falta de compromisso, o elixir não da vida eterna, mas das possibilidades infinitas. Os cabelos esvoaçantes e os sorrisos largos. Daqueles rostos poderiam sair juízes, heróis, artistas, deputados e revendedores da Avon. Eu brincava de adivinhar o que seriam porque já tinha feito isso comigo mesma umas cem milhões de vezes e errara em todas elas. Eu era meu próprio rascunho e eles também, flexíveis pedaços de gente sendo moldados pelo sol do meio-dia, na hora da saída do colegial. Estavam treinando para a vida e a vida treinando neles o que havia de ser.

Mas tinha ali alguma coisa. Eu passando por um rosto, um rosto e outro. Rascunhos. Até que descobri que o que havia entre eles era um texto.

28 de setembro de 2010

Do flerte líquido – pra quê serve?

Ele podia ter dito qualquer coisa, sei lá. Desde um clichê do tipo “oi, você vem sempre aqui?” até um trecho de Camões, um soneto de Vinícius, Shakespeare ou Xuxa na fase romântica. Se de nada servisse, teria me feito rir, pelo menos. Mas não. Do nada:

_ Vai chover hoje.
_ É...
_ Nossa, você se parece muito com uma ex-namorada minha.
_ Hum.
_ Aliás, você tem namorado? Você é muito linda e...


...Eu já estava do outro lado da rua me enfiando na primeira loja que vi na frente. Comprei um lenço xadrez lindo, diga-se de passagem. Lilás e preto.

Mas... o que será que ele queria que eu dissesse? Tipo:

_ Nossa! Jura que eu me pareço com a sua ex-namorada? Que legal! Vou adorar se você trocar nossos nomes!

Ou:

_ Eu? Me pareço com a sua ex-namorada? Ah... tadinho... Tá com saudade dela, tá? Vem cá, vem.

Haja paciência. Esse tipo de gente, mesmo que de terno numa travessa da Paulista, desperta nossos instintos mais primitivos.

...O de correr, no caso.

27 de setembro de 2010

Intermúndio

Felicidade pode ser carro, emprego, família, filhos, almoço, loteria, amor, amizade. Pode ser cabelo, unhas, peitos. Pode ser casa. Pode ser escola. Pode ser sapato.
...Ou pode ser papel picado.


A inocência da cena que não vi me lembrou aquela dos Filhos do Paraíso. Era felicidade de criança...

No meio do caos cinza de uma ave sem ninho e sem graça, entre carros passantes e poluição notável, fez-se silêncio na calçada. Duas crianças (dali mesmo) brincavam esquecidas do desimportante. Cada uma, a sua vez, rasgava um pedacinho de papel, lambia escrupulosamente o quadradinho e colava no rosto da outra. A cada pedaço branco cheio de saliva que aplicavam com sucesso, caíam na gargalhada. Àquela altura, as carinhas já estavam cobertas de papeizinhos.

...e não tinha explicação.

24 de setembro de 2010

Histórias da pós-modernidade / relatos de expediente

Minha filha tem quatro anos e eu sempre a coloco na caminha pra dormir. Tenho uma pasta no meu Ipod com várias músicas que ela gosta. Músicas infantis, Xuxa e tal, a pasta tem a fotinho dela, até, e eu coloco pra ela ouvir alguma coisa toda a noite. Ontem eu disse assim:

_ Vamos dormir, filhinha. Hoje você pode até escolher a música. Qual você vai querer?
_ Aquela, da Lady Gaga, pai!
_ Hum?
_ Aquela, assim: nã nã nã nã – e começou a cantarolar um trecho da Bad Romance.
_ Qual? Essa? - e coloquei a música pra ela.
_ Essa! Essa mesma! - ela respondeu já dançando.


Daí, me dei conta: realmente estamos num mundo globalizado.

21 de setembro de 2010

"É hilário."


"Foi assim: o candidato do 14, que é de um partido que apóia o Serra (PSDB), usava esse mesmo comitê aí. Durante a campanha ele sempre reunia mais gente que o candidato do 13 (PT). E o povo ainda dizia que o candidato do 13 pagava gente de outra cidade pra engrossar os comícios dele.

Eis que no dia da apuração, o 14, nas parciais, estava mais de mil votos a frente do 13. Só que o 13 conseguiu uma virada com urnas que, dizem as más línguas, não continham o número de votos suficiente para essa virada.


Daí, dá-lhe processo em cima disso. Surgiram provas, vídeos e testemunhas da compra de votos por parte do povo do 13. Nove meses depois saiu uma liminar afastando o prefeito e dando a cadeira da prefeitura pro 14. Novamente, as más línguas contam que, com uma certa "ajudinha financeira" da governadora do estado, que é do PT, um mês depois o 13 voltou.

É um tal de recorrer dos dois lados. Ora a decisão favorece um, ora outro. E a população acompanhou essa divergência política. Virou rivalidade mesmo. Agora vem e me aparece essa: o comitê de apoio ao Jatene, candidato do partido 14, ficou no mesmo lugar de antes. Mas a casa em cima foi alugada pra um funcionário do prefeito. Daí a enorme propaganda da Dilma lá em cima.

O povo é tão provocador que, quando o cara tá lá na casa, as pessoas que trabalham no comitê botam os jingles no volume mais alto, só pra perturbar. É hilário. Esse lugar aí fica bem em frente a minha casa. Logo que eles botaram isso aí, eu sempre saía de casa com um sorriso no rosto. Não há quem veja isso e não ria."

Relato e retrato de uma Cl@risse, de algum lugar de um Pará.

14 de setembro de 2010

Hum?

"Número de famintos crônicos cai pela 1ª vez em 15 anos, diz FAO"

Isso não me parece uma boa notícia e não há nada para comemorar.

"Fome crônica atinge 925 milhões pelo mundo, diz agência da ONU.
Organização cita melhora econômica e queda de preços de alimentos."


Ah, só? Só 925 milhões de pessoas estão com fome crônica?

...Fome crônica?
Eu já me sinto mal se demoro pra almoçar. Como será que é estar no lugar dela...



Foto de 26 de novembro de 2008 mostra mulher
chorando de fome em campo de refugiados
internos em Kibati, na República Democrática
do Congo. (Foto: AFP)
...Todos os dias?

10 de setembro de 2010

Da primeira vez que ri de mim

Depois de procurar no estojo, debaixo do caderno e no meio do livro, fui até a tia Cida, professora do pré:

_ Tia Cida... não estou encontrando meu lápis. Acho que alguém pegou ou eu perdi. Empresta um pra mim?
_ Não vou emprestar. Procura direito que você acha.
_ Eu já procurei, mas não tô encontrando...
_ Até eu sei onde está! Procura direito.


Voltei pra minha mesinha e procurei mais um tanto.

_ Professora... não achei!
_ Ah... não é possível. Classe! A Camila não está achando o lápis. Vocês estão vendo o lápis dela?
_ Siiiiiiimm!!!!! – em coro.
_ Mas não digam onde está. Ela vai encontrar sozinha.


Senti uns olhares estranhos pro meu lado, como se eu não estivesse sendo coerente. Voltei pro meu lugar e procurei por toda a parte. Cansada e desesperada com a lição, que estava atrasando, coloquei as mãos na cabeça, num gesto de desespero.

...E achei o lápis. Bem ali, atrás da orelha direita. Tinha visto o açougueiro com o lápis daquele jeito e achei mó legal. Coloquei-o ali e me esqueci!
Comecei a rir sozinha e a menina do lado me olhou.


_ Achei meu lápis!!!

Ela fez uma cara de “sai pra lá com a sua doidice que pode ser contagiosa” e eu voltei a escrever, toda contente da vida de seis anos.

9 de setembro de 2010

Addicted

_ Smoke?

_ No.

_ Drink?

_ No.

_ Drugs?

_ No.

_ Love?

_ Yes, trying to quit.

8 de setembro de 2010

No limite

Eu trabalhei no sábado, no domingo, na segunda e na terça. Mas na madrugada da quarta eu surtei. Até lá, deu tempo pra pensar em muitas coisas. Lembrei do meu sofá xadrez, do Gilberto na terceira série, do Breakfast at Tiffany’s e da minha perna esquerda, que não parava de doer.

Aliás, lembrei de muitas partes do meu corpo. Dos punhos, dos cotovelos, das costas e da nuca. E do cérebro! A dor me fez lembrar que eu tenho cabeça ainda. E o enjôo. Fazia tanto tempo que eu não me sentia tão cansada que não me lembrava mais desse enjôo.

Mas quando fui pegar leite quente na máquina de café da copa e só saiu chocolate diluído em água, percebi que tinha chegado ao fundo do poço. Juntei minhas coisas e saí rindo sozinha, na garoa fina da Augusta às 5h. Um menino se despedia de uma menina perguntando “quê cê vai fazer amanhã?”. Fosse ela eu dava um coice nele.

...E dei. Mas num outro menino.

No dia seguinte, depois do almoço, alguém perguntou:

_ Se sente melhor, agora? Não, né?
_ Sim, sim. Tô melhor. Estou alimentada, pelo menos.
_ É... essas coisas são básicas. Dormir, tomar banho e comer.
_ Não. Dormir e tomar banho é luxo. Só comer é essencial.



6 de setembro de 2010

Mistério do Planeta




Vou mostrando como sou
E vou sendo como posso,
Jogando meu corpo no mundo,
Andando por todos os cantos
E pela lei natural dos encontros
Eu deixo e recebo um tanto
E passo aos olhos nus
Ou vestidos de lunetas,
Passado, presente,
Participo sendo o mistério do planeta
O tríplice mistério do "stop"
Que eu passo por e sendo ele
No que fica em cada um,
No que sigo o meu caminho
E no ar que fez e assistiu
Abra um parênteses, não esqueça
Que independente disso
Eu não passo de um malandro,
De um moleque do brasil
Que peço e dou esmolas,
Mas ando e penso sempre com mais de um,
Por isso ninguém vê minha sacola

1 de setembro de 2010

(((medo)))

_ Em quem você vai votar?
_ Na Vilma!
_ Vilma?
_ É! Na mulher do Lula!

26 de agosto de 2010

Minha história de um outro + inesperadas

Meu rapaz estava no ponto de ônibus e, antes mesmo de chegar, avistou da esquina um senhor de uns 40 ou 50 anos, desse tipo de senhores magrelos de 40 ou 50 anos, baixinho e descuidado. Vestia roupas simples, mas aparentemente limpas.

O senhorzinho falava alto e desimbestadamente, estilo personagem da Praça é Nossa. Ora cantava um pai nosso, ora dizia que a cobra havia roubado a pinga dele. Chegou a pedir um cigarro, ao que o rapaz respondeu que não tinha - o que era mentira, diga-se. Pediu então a outro, e foi acender com o mesmo rapaz que lhe negara.

De repente, inadvertidamente, começou a batucar numa caixa de fósforos (que dizia ser seu tamborim) e a cantar sambas antigos. O rapaz achou aquilo um bom sinal, afinal, "quem não gosta de samba, bom sujeito não é". O senhorzinho foi cantando, cantando, até que chegou num samba desses que falam de mulher.

...E foi parando de cantar como uma vitrola desligando...

Sentou no banco do ponto de ônibus e desatou a chorar. Colocou os óculos escuros na cara e continuou batucando num tom mais triste.

Foi então que deixou a caixa de fósforos cair. Apalpava o chão e não encontrava o tamborim. O rapaz, num gesto de gentileza que não podia evitar, pegou e devolveu o instrumento, pelo que o senhor voltou a tocar, num tom mais triste ainda.

O pessoal levantou dos bancos pra tomar o ônibus. Ali, talvez pela solidão, o senhorzinho, mais a vontade, se deitou, com as mãos unidas num travesseiro de ossos, e dormiu...

“Lembrei que todos somos assim, flutuantes em nossas emoções, embora ele estivesse mais exaltado, aparentemente em função de uma bebida recente, e de anos de bebedeira... E lembrei o porquê deve ser legal ter uma câmera...” – diria o rapaz ao relatar o ocorrido.

Será que o senhorzinho imaginou que as ações resultantes de sua espontaneidade seriam compartilhadas com várias pessoas que não o conhecem nem vão conhecer?

Eu, particularmente, nunca imaginei que o resultado de um final de semana trabalhado resultaria numa exposição de uma aluna do Núcleo de Comunicação e Educação da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (NCE-ECA/USP):

Não sei voar de pés no chão - Um blog de Amanda Proetti

24 de agosto de 2010

Lendas eleitorais

Queridos leitores, bem sabem que não gosto de falar sobre política no blog nosso de cada dia. E não vou falar. Vou apenas reproduzir aqui um trecho da letra do jingle da Dilma Rousseff para presidente. A música, claro, não fala sobre política. Então estou auto-autorizada a publicá-la:

Deixo em tuas mãos o meu povo
E tudo o que mais amei
Mas só deixo porque sei
Que vais continuar o que fiz
E meu país será melhor
E o meu povo mais feliz
Do jeito que eu sonhei e sempre quis
[...]
Agora as mãos de uma mulher vão nos conduzir
Eu sigo com saudade, mas feliz a sorrir
Pois sei, o meu povo ganhou uma mãe
Que tem um coração que vai do Oiapoque ao Chuí

Pois é. Parece que agora eu tenho duas mães. Quero dizer, três, porque dizem que avó é uma segunda mãe. Ou melhor, quatro, porque ainda tenho minhas duas avós vivas.


Mas, voltando ao assunto central, creio mesmo que esse jingle merecia ser escarafunchado para estudos sociológicos, políticos, históricos, econômicos, semióticos, publicitários e holísticos, colocado como objeto ao lado daquela foto bonita do Lula cumprimentando um menininho negro.





E acho também que certos trechos mereciam entrar para o PENSADOR.INFO, com um link associado à célebre frase de Paola Bracho: “Eu detesto sentimentalismo barato.”

23 de agosto de 2010

Da série: pra quê serve a Bienal?


Da série "Piratas do Tietê", de Laerte

20 de agosto de 2010

Fortuitos

"No matter how rich you become, how famous or powerful, when you die the size of your funeral will still pretty much depend on the weather."

Michael Pritchard

EuropeanCEO Magazine (august-september 2010, page 92)

Que triste infortúnio deve ser para os ricos e sensacionais serem um pouco dependentes das causas naturais para serem menos iguais aos seus semelhantes, hein?

http://www.europeanceo.com/

19 de agosto de 2010

Da primeira vez que machuquei alguém que eu amava

Eu poderia jurar, mas não preciso. Sei que não preciso sequer dizer que não tive intenção para qualquer um que visse meu choro copioso demais para aqueles quatro doze meses. Parecia que eu chorava a vida toda e choraria ainda pra sempre em nome do mal que não me infligiram, mas que eu me infligi a mim quando feri meu pequeno amado.

De pai e mãe a gente mais precisa do que ama no começo. Do amor por eles a gente entende depois, quando não precisa tanto e mesmo assim continua querendo. Mas daquele meu amor primeiro eu nem queria nem precisava. Eu não exigia, apenas doava. Ele vinha porque queria e eu gostava. Era arredio e dócil a um só tempo. Com ele e por ele esbocei os primeiros traços de aceitação.

Kiko, chamava meu gato, cuja alma Deus havia pintado de céu. Quando Kiko estava desperto seus espelhos iluminavam de azul o mundo da terra e eu era mais feliz. De manhã, era o primeiro a acordar. Espertamente, pulava no sofá, depois nas costas do sofá, depois em cima do guarda-roupa. De lá, lançava seu corpinho magrelo em queda livre até a cama dos meus pais. Pisoteava os dois e ganhava, delicado e cheio de saudade, a minha caminha.

Os arranhões que me deixava nos braços eram tantos que eu pensava que tinha nascido com eles. Já faziam parte de mim os arranhões e eu brincava de descobrir letras neles.

Um dia o Kiko estava no meu colo enquanto eu procurava algo pra vestir. De repente, um grito de gato fez eco fundo dentro de mim. Ele gritava e eu gritava junto, sem saber o que estava acontecendo. Ambos gritando e minha mãe chega, libertando as unhas do gato, enroscadas entre as gavetas.

Ao entender o que eu havia feito, chorei mais do que o gato poderia chorar numa vida inteira aquela dor. Abracei-lhe e pedi desculpas, mas eu mesma não me desculpava. Minha mãe me sentou no sofá e trouxe água, pra me acalmar. A água mal encontrava espaço pra escorrer güelinha abaixo, minha garganta apertada que estava.

O gatinho, em lugar de fugir de mim, fez pior e me castigou: aninhou-se no meu colo e dormiu tranqüilamente.

Eu? mais arrasada ainda, chorava ao vê-lo plácido e quente, enroladinho na minha barriga. Queria ávida um perdão já concedido por ele, mas não auto-perdoado. E se ele tivesse morrido, meu Deus????

Chorei os males que não houve, até cessar.
E, antes que perguntem aqueles que me lêem, “sim, eu me lembro”...

16 de agosto de 2010

Mudei.

Mudança é legal. Transtorno, caos, cansaço, sujeira, barulho, bagunça, pó e tranqueira, tirando a parte ruim.
No meu caso, a parte legal se chama Jane, a síndica. Um pouco velha, cabelo um pouco curto, um pouco loiro, a cara um pouco brava.


_ É você que vai mudar pro 28?
_ Sim.
_ Precisa esperar o porteiro chegar pra subir com as coisas.

Olhei pra vassoura, única coisa nas mãos. Não olhei pra dona Jane e respondi “já sei, obrigada”. Peguei o elevador sob o olhar incrédulo dela. No dia seguinte, trocar a fechadura. Dona Jane gentilmente me ameaçou três vezes pelo interfone, mandando o barulho cessar. Era só uma fechadura, no dia seguinte da minha mudança. Todo o processo levou 20 minutos.

_ Vocês insistiram e vão ver só! Isso não vai ficar assim!

Aoun... Ela não é um amor?
Fiquei aguardando o “e seja bem-vinda!” em seguida, mas não rolou.
Alguém se habilita a ser o Tarzan da adorável?
Os interessados, não se preocupem. Ela vem com regulamento interno.

12 de agosto de 2010

Lírico

Eu acho louvável essa tentativa de ser mais criativo no cotidiano, de fazer de uma desocorrência um discurso pávido. Ouvi dizer que foi assim quando da morte de Sir Octavio Frias de Oliveira (1912-2007), cujo velório teve show de variedades e contou até com um presidente. Na redação daquela Folha pesou um climão atípico prum domingo. Não que o clima fosse normalmente muito animado para quem passava a tarde ensolarada privado da macarronada e da luz natural. Mas o 29 de abril foi mesmo um dilema.

“O querido Octavio Frias de Oliveira morreu neste...” – não, morreu não. Pode soar ofensivo.

“Nosso querido Octavio Frias de Oliveira faleceu...” – putz... faleceu? Fica hipócrita, não fica?

E seguiam as discussões sobre como anunciar a morte do chefe dos chefes. Para quem tinha que preencher oito folhas standard em poucas horas, empacar na primeira linha não era prenúncio de um dia feliz. Um domingo, ainda por cima.

Obviamente expressões chulas e vulgares eram incogitáveis. “Bateu as botas”, “pendurou as chuteiras”, “apertou a mão de Deus esta manhã” estavam absolutamente banidas, até porque, pairavam dúvidas sobre a mão de quem ele estaria apertando. E ainda mais essa! Dependendo de onde Dr. Frias estivesse, a vingança poderia chegar mais rápido! E ninguém ia querer ser despedido por um defunto, até porque não tem nem graça, né? Iria ser via fantasma? Via sonho? Via destino infeliz até que a demissão fosse inevitável? Melhor não arriscar.

Mas eu, no lugar deles, seria mais criativa:

“O senhor Octávio Frias de Oliveira (1912-2007) teve uma síncope da qual não retornou na manhã deste domingo...”

“O querido chefe de nosso grupo de conteúdos informativos se ausentou definitivamente deste planeta, deixando sua contribuição eterna aos cidadãos...”

“O cavaleiro da verdade e defensor dos direitos da comunicação neste País foi considerado pelos médicos 100% extinto na manhã deste 29 de abril...”

“Octavio Frias, lamentavelmente, se retirou da vida.”

Não precisa perder muito tempo com isso, vai! Ainda tem a foto!

_ Não... essa não... Aqui ele parece tão abatido...
_ Essa!
_ Não... essa não... Essa foto é velha, não tem nem resolução pra impressão...
_ E essa?
_ Olha essas olheiras! O que a família vai achar disso???
_ Tá...

10 de agosto de 2010

Do inominável

Eu digitei algo do tipo “estralar os dedos”. Daí, acrescentei “ortopedista”, depois “médico”, e o ponto de interrogação. Vários sites que versavam sobre os supostos ou reais benefícios e malefícios de se estralar os dedos foram listados. Num deles, um fórum.

Fui lendo, correndo a barra lateral, até que me deparo com a opinião de um sujeito, cuja foto do perfil não era uma foto de seu perfil. Era um vídeo curto.

Olhei por detrás de minhas lentes moralistas e primeiro fiquei abismada, depois com nojo e, em pouco tempo, nauseada. O vídeo era de crianças. Todas vestidas (calma leitor!), mas dançando. Não sei dizer o que estavam dançando, a música não se ouvia. Mas estavam em uns seis casaisinhos. As meninas, de saia, encostadas na parede, de costas para os meninos. Os meninos de frente pra elas. Eles faziam gestos que imitavam um coito e sorriam para a câmera.

Mas leitor, você ainda não me entendeu. A dança era realmente muito expressiva e o gestual era complexo e preciso. Fiquei olhando pr’aquilo aterrada e enojada, tentando compreender a situação. As crianças estavam super bem vestidinhas e pareciam olhar para a câmera num modo de responder a algum chamamento. O ponto de filmagem estava mais alto e pegava as crianças de cima, o que me faz supor que o responsável era um adulto.

[Camila sai da sala]

2 de agosto de 2010

Anósnão


A gente não decide.
A gente vai decidindo...
A gente não escolhe.
A gente vai escolhendo...
A gente não toma uma atitude. A gente percebe que ela é que nos tomou! e nós?
...Nós não tínhamos escolha, não decidimos nada.


A vida involuntária que vive em nós é que acontece. Um humano é um fantoche do algo maior que lhe sobrevém e sobrevive a ele, que fica depois dele. Nós éramos isso quando a manhã com pena nos encontrava ali jazidos: subalternos da paixão que não faltava pra ser amor. Ela tinha que acontecer, a manhã tinha que se acontecer a si, que acordar a noite, que cumprir sua missão tenra e morna de ser manhã de agosto.

A vontade não é bem o que move o que há, mas a não-vontade, o essencial que nos falta, o que nos falta, o que não é, a falta que faz é que nos suga pra dentro da roda e nos coloca em movimento. A noite podia ser eterna, um instante podia ser estanque, mas o estanque é ilusão que não serve nem mesmo pra ser ilusório. É ilusório o amor que é presente porque se ausenta.

“O amor já está, está sempre. Falta apenas o golpe da graça – que se chama paixão.” (LISPECTOR, 1964)

30 de julho de 2010

Explique-se-for-capaz

Economicamente falando, Jennifer Lopez estará no júri do próximo American Idol.





29 de julho de 2010

Do devaneio à

Meu plano de fundo é um pingüim. Nadando, ainda por cima.

Não sei bem. Acho que há algo de poético num pingüim nadando, com as asinhas abertas, espirrando a água azul por todo lado. Ele nada em direção a mim e a impressão que tenho é que um dia ele vai chegar. Num dia, um belo dia azul, eu vou olhar pra tela esperando vê-lo e ele não estará lá, mas mergulhando fundo no meu peito. E será tarde pra impedi-lo, já que desde já ele nada obstinadamente para isso.

Ou então, de repente, se perde que nem flecha de cupido em Shakespeare. Atravessa tudo naquela Noite de Verão, menos o peito que deve. Nesse caso ou num assim, meu pingüim que há tanto nadou pra mim deixaria a tela derramando água nas teclas queridas para me encontrar, ou melhor, não me encontrar, na privada, na copa ou no filtro, enchendo minha garrafinha. Ele nadaria com força e com o mesmo fôlego de amor toparia na cabeça da colega de trás, recém pedida em casamento e de mudança para outro país. Meu pinguinzinho ficaria sozinho, tadinho, sozinho de mim e perdido. E eu sem ele na tela nadando, perdida da esperança de que um dia ele chegue, finalmente.

A vida é feita dessa esperança, afinal. A esperança tola de que num amanhã do amanhã teremos algo mais que hoje. É vã a esperança é vã. Mas é assim que nós somos.

Por via das dúvidas, limitei minhas levantadas da cadeira. E, quando saio, deixo o e-mail aberto bem em cima do pingüim. Tanto melhor que se perca na caixa de entrada do que num país tropical...
...Ou que se enrosque no cabelo de alguém de partida.




26 de julho de 2010

She


Uma lucidez inédita traduzida em poesia. E insistir em ser sóbrio num mundo ébrio é auto-fadar-se ao luxo da solidão e do desespero.


As almas raras se condenam ao martírio quando assentem ao nascimento. Um altruísmo irrecompensável ela cometeu por nós. Uma loucura.


Foi catártica, profética, epifânica, visionária. Foi a benção que nos amaldiçoou a todos. A verdade sagrada que não queríamos ter. A ignorância por fim desvelada e mal compreendida. A perdição. Bendita.

23 de julho de 2010

Érica? Não. Camila.

O problema de se dar a aprender com alguém é que esse alguém pode saber ainda menos que você. Daí, acreditando no correto relativo, você aprende errado.
Um choro curto coube naquela constatação de...
...de doença.
E a constatação coube num Ginger Lemonade. O GL coube num jazz a três. Eu era o quarto elemento, mais o drink, mais a lágrima. Éramos um sexteto de quinta. Feira. Quase meio da semana, quase fim. Quase acompanhada demais. E o sol ia alto no Japão, suponho.
Fiquei ali, com medo de fechar os olhos e também de abrir.
Ao som daquele jazz eu tinha medo de tudo. De ir, de não ir, de ficar, de partir, de desistir, de sonhar. E de mim. Eu tinha medo de ser jazz e, principalmente, tinha medo de mim.

21 de julho de 2010

My code

Gazeta de Piracicaba
Correio Popular – Campinas
Jornal de Jundiaí
Gazeta de Limeira
Gazeta de Bebedouro
Oeste Notícias
O Diário – Barretos
O Imparcial – Araraquara
O Imparcial


O Imparcial? Quem diabos acreditaria num jornal chamado “O Imparcial”? É difícil até de abrir o jornal. De abrir!

...E num movimento anacrônico, nesses saltos possíveis somente para uma mente que procura desesperadamente um escape do vício tedioso de dias largos demais pra caber em cima de uma mesa branca, lembrei de um tempo onde as tardes eram minhas. Nunca tive um tempo em que os dias fossem meus, mas de vez em quando tinha uma manhã, ou uma tarde, ou uma noite. Hoje tenho, quando muito tenho, os finais de semana. Mas num tempo em que tarde era sinônimo de tarde mesmo, eu abri uma coisa que não era pra abrir. Entre O Diário de Barretos e O Imparcial, abri de novo aquele Odiário.

_ Olha! O que é isso? Odiário...
_ Diário? Me dá que é meu!
_ Não dou!
_ Me dá!
_ Não vou dar!
_ Tava na minha gaveta! É meu! Me dá!


É difícil lembrar de uma ex. De um ex-chefe, ex-namorado, ex-irmão, ex-amigo. Ex-amigo é quase tão absurdo quanto um jornal se chamar “O Imparcial”. Mas eu me lembrei nesta tarde sinônimo de tela.

_ Me dá meu diário! – ela gritou comigo imediatamente antes de saltar pra cima do meu corpinho frágil e magrelo de quarta série.
_ Não vou dar antes de olhar! – respondi com bravura. E lá se foram muitos minutos, talvez uma hora ou um pouco mais. A briga pel’O Diário começou no quarto. Rolamos as escadas atracadas e fomos parar no meio sala, suadas e esbaforidas.


_ Daí, vai.
_ ...Não...
_ Eu não vou soltar.
_ Eu também não...


Até que combinamos de ver juntas, ao mesmo tempo, juntas, juntíssimas, sem nem um segundo de diferença. Eu abri a mão que mostrava um caderninho que cabia na minha palma, com um sapinho na capa brochura, onde se lia “Odiário”.

_ Ah! Isso daí não é um diário, não! É um caderninho que eu ganhei de brinde no Boticário. Chama Odiário porque nele a gente pode escrever coisas que a gente odeia.
_ Hummm


Será que o Diário de Barretos é um diário fiel do que acontece na cidade inteira? Ou será que tá mais pra Odiário? Será que as pessoas que trabalham n’O Imparcial são irrevogavelmente proibidas de demonstrações públicas de afeto, iguais àquelas que trabalham na Câmara Municipal de São Paulo? Será que lá também tem um Dress Code? And Ethical Code? Não, não. Este último aposto que não. Ou então todo mundo lá ignora, igual eu ignoro o Dress Code às sextas-feiras.

16 de julho de 2010

Auto-cruel

As planilhas são fáceis. A gente vai lendo e classificando as notícias. Lendo e classificando, lendo e classificando. Ouvindo uma musiquinha enquanto isso...

...Lá lá lá... Lendo e classificando... Abre planilha, fecha planilha, abre planilha, fecha...

...De repente, lá pela linha 283... “já pensou se dá zica e eu perco tudo?”

Fui invadida por um som inacreditável, vindo das entranhas de um ser pré-histórico. Um grito gutural, depois um choro compulsivo. Eu, lânguida, lançando a cabeça pesada sobre a mesa, com os braços num auto-abraço, em posição fetal.

Alguém perguntou, claro, sempre tem alguém que não saca logo de cara, “mas o quê foi?”. E eu, num fio de voz valente como rouco, respondi que bati na tomada.

Todos correram em meu auxílio, a chefe do setor chamou imediatamente a chefe de recursos humanos para perguntar se meu seguro de vida está em ordem. Minha parceira próxima anunciou um “...calma...” em completo desalento.

Sorri. Depois ri. Depois chorei de tanto rir. Depois só ri e só sorri de novo.

Extraí uma alegria tão crível do meu próprio desespero imaginário que minha risada fez barulho. Alguém me olhou e eu disfarcei, frustrando a gargalhada.

Daí salvei. Claro. Salvei.

Estou salva.

15 de julho de 2010

Telegráfico

Mudança trabalho chegada tchau. Sonho estudo vi amanhece banco processo gripe. Breve barulho casa mudança mais é menos. Banheiro cabeça bagunça jagunço tevê. Raro leveza sozinha verdade quebrou. Aquele não ter pôster do Marley pornô. Escola irmã.

Expresso.

Não sei se volto.

Att.

Bônus
http://amandaproetti.blogspot.com/

8 de julho de 2010

Suspeito

Numa semi-conversa entre um minuto e outro, logo após uma inserção sobre os males da TPM, uma amiga ousou lamentar, tendo a impressão de que o melhor da vida a gente perde.

A gente perde? Só porque ela trabalha 10 horas por dia? Só porque ela estuda entre fazer as refeições e dormir (um pouco). Só porque ela não ganha o suficiente para ter qualidade de vida? Só porque talvez não seja só impressão?

Ah! Lamentar é para os fracos! Temos que ser criativos! É por isso que eu escrevo no meu blog no horário do expediente!

Humpf!

7 de julho de 2010

A oura met ade

Livro
Li v ro
Liro


Ela sempre procurava o meio de tudo. Dividia o mesmo quadro no meio mil vezes e depois brincava de reencaixar os pedaços de jeitos diferentes no pensamento.

Quadro
Qua dro – humm... com essa não sobra letra!
Dro qua
Dra quo
Quo Dra

E fazia o mesmo com a estante de livros. Ficava olhando bem, prateleira por prateleira, procurando o meio de cada uma. Mas isso era traiçoeiro, porque se estava deitada de um jeito, tal livro lhe parecia o meio. Se deitava de outro lado, outro livro parecia estar mais exatamente na metadinha. Daí se irritava!

Metadinha
Meta d inha – a letra do meio sai fora...
Metainha
Meta pequenininha?

E fazia o mesmo com as palavras.

Metamorfose
Metam o rfose

E tentava pronunciar o impronunciável:

Metamrfose
Meta fose
Fase ta mofe
R
O

E por aí ela ia embora. Com tudo procurando o meio. Era até uma questão de equilíbrio achar o meio das coisas. Era como encontrar em tudo o meio-termo e todo mundo sabe que o bom senso não mora nos radicais, com o perdão dos números.

Amor
Am or
Omar
O mar – não sobra letra, mas ficou legal!

Praticamente inventou pra si um novo idioma!

O AM or mo Ra no mr?

Ela se entendia assim. Mas procurar o meio pra depois descobrir o que tem nele às vezes era um tormento. Passou muito tempo pra descobrir, por exemplo, o que tinha no meio dela mesma. E, ainda por cima, tinha o dilema:

_ Bem no meio das duas metades é o umbigo. Mas tem também o meio das pernas, o meio entre os braços, o meio das palmas das mãos, o meio da cabeça. O meio da cabeça!!!! Esse meio vai ser o mais difícil.

Então, primeiro pensou muito em qual meio era o mais importante. O meio da sola, o meio de um fio de cabelo castanho... o meio de uma mão só era fácil: o dedo do meio!

Pensou, pensou e aí decidiu que o meio mais importante era o meio do peito, que era a parte mais bacana, porque tinha lá dentro a música só dela: Tum, Tum, tm...

...Mas ficou triste ao perceber que bem no meio da metade de cima na parte de dentro dela nem ela era. Tinha ali um ele que não era dela, nem ela, nem exatamente ele. Mut, mut, mt...

4 de julho de 2010

Da série: Óh céus, óh vida

Eu faminta (de fome mesmo, nada poético) saí de casa em busca do mercadinho. O mercadinho não estava aberto. Era domingo, mas era cedo. Não tão cedo para não estar aberto, nem tão pouco cedo para já ter fechado. Tudo bem. Na minha cidade mercados não abrem aos domingos. Fui até a padaria, que não aceita cartão de nenhuma espécie, e aproveitei pra perguntar pra balconista onde havia um restaurante.

_ Restaurante? Aqui não tem restaurante, não. – disse como quem filosófa, perscrutando sua memória em busca da lembrança do que era um restaurante.
_ Ah... não tem restaurante? Que legal...
_ Não. Perto não. Mas se você estiver de carro pode ir até perto do metrô, que tem um lugar que faz costeleta no bafo.
_ Humm...

Eu não estava de carro.

_ Uma costeleta no bafo ótima e, se eu não me engano, uma marmitéx é uns sete reais.

Que ótimo!!!! Uma costeleta no bafo bem referenciada!!!!
...Só que peixe com costela não rola. Prefiro os que não tem caixa torácica.

_ Humm... Bem, obrigada!

E saí perambulante, fatigada dessa vida de interior em cidade grande. É como ter o pior dos dois mundos. Num só.

2 de julho de 2010

Senhor, tende piedade…

Dois filhos.
Nós tínhamos dois filhos pra ter.
Dois filhos, quatro netos, oito bisnetos, 16 trisanetos, 32 tataranetos.
E eu, matriarca dos sonhos só meus, os abortei a todos. Várias gerações se perderam naquele caminho entre a sua casa e o ponto de ônibus.

28 de junho de 2010

Damião…

...Damião…
...Damião.


De repente nunca me pareceu tão bonito aquele nome, assim como qualquer outro. Nunca um nome foi tão bonito assim. Damião.

Damião é nome de coisa forte, de gente que dura, rija, sobrevivente, audaz. Nome de desbravador tinha aquele Damião e todos os outros. Damião podia ser nome de rei. Rei Damião II. Pra quê tantos Pedros, Luíses, Augustos, se Damião era tão... hum... Invicto? Nenhum Damião havia jamais avançado por entre as minhas pernas, por exemplo. E, por exemplo, nenhum Damião jamais se sentou a mesa para comer comigo. Nenhum Damião que eu conheça foi galã de novela das oito. Nenhum Damião fez sucesso como um Michael. Conheço muitos Michaels de sucesso, mas não muitos Damiãos. Não conheço um Damião que tenha pintado uma capela, sistina que não fosse, nem carecia. Que tenha pintado uma telinha e alguém o tenha admirado por isso. Tá, vai, que tenha feito um silk numa camiseta. Damião conheço não.

Damião é nome de quem usa chapéu. Parece, não parece? Soa. Damião passando assim, num finzim de tarde com um cigarro de palha na boca. E das portas das casas lhe acenariam. “Tarde, Damião.” “Tarde” ele responderia todo vaidoso de lhe lembrarem o nome.

Damião podia ser herói. O corajoso Damião que salva a princesa Creolina no último mal do último segundo ruim de uma história que qualquer contasse. Damião se poria num jeito ousado e irrepreensível entre a princesa em prantos e uma gazela metade chimpanzé que ria da desgraça de uma família irreal. Surreal. Damião se lançaria na frente das chamas, na frente das balas perdidas ou miradas, na frente das espadas, dos canhões e, no grito, no suspiro já desesperançado, eis que Damião surgiria e salvaria a pátria, o amor, a vida, o próprio Deus.

Sim. Damião é um bom nome até pra Deus. Por que acreditar num Deus quando se pode acreditar num Damião? Eu nunca vi um Deus, mas já vi um Damião. Não jantei, dormi ou trepei com um Damião, mas aí é que tá. Assim Damião conserva essa aura de mistério, esse ser intocado, aquele mesmo invicto. Damião se jantou eu não vi, mas já deve ter feito milagre. Aquele pelo menos já deve ter feito. O meu muso, inspirador de minhas intrépidas reverberações internas, de meus questionamentos, trator de meu juízo, íman de meus olhos, aquele Damião ao qual me refiro, coloco minha mão no fogo se já não foi santo.

Ele passou assim por mim, num final de tarde em que ninguém o cumprimentou. Ele passou, não lembro se com chapéu ou sem, mas decerto teria ficado mais bonito com. Já era noitinha cedo, porque era outono invernando. Damião passou bem diante de meus olhos e eu, que sabia que se punha ali um legítimo Damião, nada disse. Olhei só. Fiquei olhando e olhando, até não olhar mais. E, antes que ele sumisse no horizonte da esquina depois do ponto de ônibus daquela ruazinha poluída de tudo, pude ler nos sacos brancos de estopa, grandes os sacos, do tamanho dele próprio, que levava com força, com determinação, pude ler: Damião.

26 de junho de 2010

tensão pós-moderna

Basicamente um estado de ira. Completa fúria devastando o seu coraçãozinho com desejos insanos e, por sorte dos outros, impossíveis. Cenas lindas de espancamento, agressão, morte por tortura, esquartejamento e sufocamento passam pela sua mente incessantemente, como se tivessem vida própria e só esperassem a grande chance de se materializar. Um rancor de tudo e nada, uma mágoa de qualquer coisa desconhecida, um tufão nascendo no peito e varrendo um rosto sorridente com um “bom dia por quê???!!!” entre dentes. É a impossibilidade completa de sutileza, o próprio fel, um desgosto. Um chamariz da desgraça alheia, uma desventura, uma tragédia musical de berros, de foras, de chutes, de pontapés não-iniciais. A languidez, a raiva, a revolta não-intercalada com o senso do bom.

O mal.
Encarnado.
TPM.

22 de junho de 2010

É preciso ser triste

Conheço muitas pessoas que são intratáveis quando estão felizes. Ficam tão embebidas no próprio júbilo que não enxergam bem a mais nada. Nem a si próprias, aliás. Ao contrário, não conheço ninguém que triste não seja sensível, solidário e manso. O oposto é natural da ira, da frustração e da autocomiseração, não da tristeza. A tristeza é talvez o sentimento humano mais útil, porque força à reflexão, quando não paralisa, é claro. Os mais nobres seres humanos de que tenho notícia eram tristes. E engraçados. Porque o triste não implica no austero, necessariamente. Talvez eventualmente, mas não sempre. O triste é cru e a crueza é bem do humor. Do humor comedido, não do pastelão, evidentemente. Além disso, o triste é mais livre que o feliz, porque o feliz tem algo precioso a perder. O triste não. Este está em busca e mais preparado para não se escandalizar com tal nudez. A nudez que ceifa a sanidade na qualidade do cru e da patética cegueira que pensamos cozinhar.


Porco-poeta que me sei, na cegueira, no charco
À espera da Tua Fome, permita-me a pergunta,
Senhor de porcos e homens:
Ouviste acaso, ou te foi familiar
Um verbo que nos baixios daqui muito se ouve
O verbo amar?

Por que na cegueira, no charco
Na trama dos vocábulos
Na decantada lâmina enterrada
Na minha axila de pêlos e de carne
Na esteira de palha que me envolve a alma

Do verbo apenas entrevi o contorno breve:
É coisa de morrer e de matar, mas tem som de sorriso
Sangra, estilhaça, devora, e por isso
De entender-lhe o cerne não me foi dada a hora.

É verbo?
Ou sobrenome de um Deus prenhe de humor
Na péripla aventura da conquista?



HILST, Hilda. “Amavisse”, in Do Desejo.

21 de junho de 2010

Da obviedade


_ Nossa… a gente dorme no ônibus mas não descansa, né?


_ É. Nem poderia! Sabe por que isso acontece?

_ Não. Por quê?

_ Porque nossa alma não deixa o corpo quando a gente dorme em movimento. Já pensou? Sua alma deixa seu corpo descansar aqui em São Carlos. Daí, quando volta, você não tá mais aqui, já tá em Araraquara. Como ela ia fazer pra te achar lá? Não ia dar certo!

20 de junho de 2010

Esto no es la pérdida.

Pérdida se da en los campos llenos de amapolas, en los desiertos distantes y tarde en la noche cuando no hay ninguna buena razón para que el teléfono suene.

Esto es sólo nostalgia.

Esto no es importante.

Importante es postrarse de rodillas e inhalar por unos segundos mientras el corazón palpita con fuerza.

Esto es sólo una distracción.

http://bipoidentidad.com/

18 de junho de 2010

Da série: Reflexões profundas em aforismos

surpreendente: um macaco dar bom dia

sutil: subir no balcão gritando Hayo Silver!!!! para o atendente que disse que não vai estar podendo fazer o que você vai estar pedindo

intempestivo: continuar gritando Hayo Silver!!!! após a polícia chegar

delicado: pedir desculpas após dar parabéns à uma mulher que não está grávida

malandro: devolver um dinheiro que estava devendo faz tempo e, no ato da devolução, pedir um dinheiro emprestado

inusitado: ser assaltado dentro de uma delegacia

solitário: usar o bidê

amoroso: lembrar de fechar a porta do banheiro antes e depois de usar o bidê

polido: tirar o chiclé da boca e guardá-lo em baixo da mesa, longe das vistas dos outros, pra mascar mais tarde

amargo: morrer sufocado com a própria bile

desprendido: colocar fotos de nu no Orkut

ingênuo: ficar olhando toda hora seu álbum no Orkut pra ver se tem comentários, quando se sabe que os melhores comentários não são registrados nominalmente

recomendado: antes um pinico do que os lençóis

16 de junho de 2010

Acontece(u)

Ela acordou uma hora depois de dormir com uma vontade louca de cuspir. Louca era ela, mas também a vontade e tudo o que a varria por dentro, que a hipnotizava e prendia diante da constatação bestial de que precisava cuspir. Era simples. Uma cusparadinha e ninguém notaria. Quer dizer... Não. Não era bem assim. Não era exatamente uma cusparadinha. Mas ela tinha que cuspir e pronto. O tamanho certamente não faria diferença alguma diante do fato de cuspir. Cuspir não era comum naquela região do tempo e até os seus 11 anos completos jamais ouvira falar de alguém que o tinha feito. Ela, então, nem pensar. Aliás, mal compreendia como é que seu cérebro pôde conceber tal absurdo como a idéia de botar fora da boca algo de seu interior. Era contrário à natureza e tangenciava o macabro que algo se colocasse não para dentro, como alimento, mas para fora, também como alimento. Algo que alimentava porque era o caminho da maravilhosa sensação da satisfação. A satisfação que só conhecia quem cedia. Aos desejos que ela não compreendia, mas porque os deveria antes de executá-los, já que aquele alguém parecia não fazê-lo? E, ao fim daquele segundo demorado onde várias gerações pareceram contemplá-la, suspensos e absortos naquela ousadia querendo caber num ser desprezível, chocou a todos quando cuspiu bem na cara de seu pai. Vestiu as roupas tremendo e mal pôde fazê-lo completamente antes que ele se recuperasse de tamanha humilhação e viesse tê-la. Ela sabia que todas as divindades a amaldiçoariam depois daquela soberba desobediência, mas levantou a cabeça, escorreu seu braço pálido por entre as mãos robustas de seu senhor, passou pela covardia que chamava mãe e com destreza ainda maior despediu-se da vida, como uma traidora de pés no chão. Foi ter com Deus na neve e na solidão, até que a privação a sublimara, num surto de bondade e compreensão. Anonimamente. Graças. Anonimamente.

15 de junho de 2010

Da série: Diálogos poéticos grupo F



_ Eu não acho que o céu deveria se chamar céu.


_ Ah, não? E você acha que deveria se chamar como?

_ Deveria se chamar artério.

_ Artério? E por quê?

_ Porque é uma mistura de ar com etéreo. E tem também essa questão de lembrar artéria, como se pulsasse, como se estivesse vivo.

_ Ah, sim. Tô vendo pulsando.

_ Não. Não é isso. É que ele muda.

_ Hum.

_ Mas eu não entendo porque chamam de firmamento. Eu gosto, mas não entendo.

_ Ah... é porque é firme.

_ É por isso mesmo? Tem certeza?

_ É sim. Porque fica firme lá em cima. Não cai nunca.

_ Ah... Mas eu nunca toquei pra ver se é firme mesmo. Nunca coloquei a mão pra ter certeza que não cai.

_ Não cai, não. Firmamento é uma boa palavra pro céu.

_ Sim, eu também acho! É bonito, embora eu não entenda. Mas tem muita coisa que eu acho bonita e não entendo. Você, por exemplo.

_ Hum. É bom saber que a gente sente o mesmo em relação um ao outro.


10 de junho de 2010

H.H.: é jogo sujo o que ela faz com a gente

Eu li aqueles versos de Hilda como quem lê uma prece. Depois, com a mesma reverência, desloquei meus olhos pro azul alto e, na maneira de constatar a vida do que existia, os baixei de volta ao nível dos mortais. Singela pobreza de vistas em paisagens tão ricas...

8 de junho de 2010

Criança

_ Eu... tô com zono... E zabe porque izo agonteze?
_ ...
_ Porque eu tô ganzado...

7 de junho de 2010

Quimeras presentes


Para mais, vide álbum do orkut.

4 de junho de 2010

É porque tá na hora

_ Camila?
_ Oi.
_ Você já tá solteira?
_ Rs... Por quê?
_ Ah... sei lá. Acho que eu deveria ficar.
_ Hum... Por quê?
_ Ah... Tô triste e meu namorado nem liga, sabe? Eu só quero colo, quero me sentir melhor. Mas ele nem se toca. Eu tenho que estar sempre sorrindo pra ele!
_ Sei... Sei exatamente como é isso. Cê acredita que eu já namorei um menino que ficava bravo comigo quando eu ficava triste? Que beleza, né?
_ Não dá pra entender. Tô tão sozinha...

1 de junho de 2010

Enquete

O que você faz quando o seu entrevistado dá em cima de você?


1) Retribuo, claro! Quem sabe não rola uma informação exclusiva?!
2) Se for gatinho eu vô. Se não, num vô.
3) Nunca, jamais, em tempo algum! Sou séria! Assuntos pessoais, só depois da entrevista!
4) Nem ligo. Homens são todos iguais.
5) Guardo o contato para futuras “confirmações e checagens de informação”...
6) NDA



E se esse entrevistado exalar a Romeu y Julieta, o cubano?


1) Retribuo, claro! Quem sabe não rola uma informação exclusiva?!
2) Se for gatinho eu vô. Se não, num vô.
3) Nunca, jamais, em tempo algum! Sou séria! Assuntos pessoais, só depois de ele escovar os dentes!
4) Nem ligo. Homens cheiram todos iguais.
5) Guardo o contato para futuras “confirmações e checagens de informação” sobre o regime...
6) NDA


31 de maio de 2010

Explique

Não entendo muito bem como é isso de superar um amor. Semana passada vi a ex-namorada de uma amiga minha. No shopping. Com outra garota. Então espera: você salva o outro do colapso, vocês trocam juras de amor eterno, você tatua isso na sua pele e, numa ausência que não é morte, o outro te supera.

Sim. É claro que já superei amores que não deram certo e meus amores também me superaram. Mas e daí? Não entendo! Numa dessas alguém morre de tristeza (amor mata, viu?!) e hão de dizer “ah... que exagero...”

Exagero???

Como diz o Luz-ciano, “o único exagero é a palavra exagero. Olha! Um X e um G numa palavra só!”

27 de maio de 2010

Cometi uma arte em estado de deus


O estado de deus não é o mesmo que o estado de graça. O estado de graça é o estar sublimado, em paz, e Deus não é só sublime, elevado, imaterial. Ele tem peso e densidade se quiser. Ele incide na matéria e resolve o impasse da tendência quântica. Ele cria.

Estar em estado de deus é assim. Uma forma brilhante e criativa, sublime, mas também perturbada. É enxergar novas conexões onde antes só existiam velhas. É amar e, por isso mesmo, abandonar, seguir, progredir, evoluir, metaforizar o que lógico não se entende. É um estado de comunhão com o desígnio, mas também de conflito. Um conflito íntimo e indeclarável com o divino que habita em tudo, até em você. É paciência e aflição.

Eu sou agnóstica. Mas não importa se você acredita em Deus ou não. Na certa há de reconhecer esse estado.

25 de maio de 2010

Tent ativa

Fiquei contemplando minha vizinha naquele começo de tarde de sábado. Ela lá, do outro lado da rua, toda serelepe, lavando a calçada com a mangueira. E andava de um lado, andava do outro, molhava os pezinhos, tirava o musguinho verde do cantinho da rua e dá-lhe água potável pra empurrar o lixinho que uma vassoura poderia.
No começo eu fiquei com muita raiva, mas em pouco tempo comecei a entrar em desespero e me descabelar. De onde eu estava ouvia nítida a voz áspera dela falando com outras pessoas da casa:

_ Vai pro inferno! Ah! Cala a boca! Cala a boca! Sai daqui! Pro inferno!

...E lavava as angústias em água corrente. Vagarosamente. Primeiro a calçada, depois o carro, daí a calçada na frente do outro portão, pezinhos, musguinho, um papelzinho ali, pezinhos outra vez e eu enfartando.
Daí resolvi que ela ia receber uma carta da Sabesp e da Prefeitura avisando que existe lei sobre isso, que é desperdício, que dá multa de até R$ 1.488,00, blá blá blá, com dicas de economia de água e tudo mais, até com grifos nas partes sobre mangueiras, carros e calçadas, pra ela nem precisar fazer muito esforço mental pra sacar.
Resolvi que ela ia receber essa carta e ela recebeu. Na madrugada desta terça-feira, à 1h37 da manhã.

Não me perguntem como eu sei disso.

24 de maio de 2010

Perdeu?


Música bonita assim parece que pega
a alma e torce. Exprime alguma coisa inominável que a gente nem sabia que tinha dentro. É indizível por culpa dessa sina humana de ser limitado e expandido pelo mesmo.

A(h) linguagem.
..


...Ao menos temos várias!


http://www.bridgestonemusic.com.br/

21 de maio de 2010

Basta amar para saber o que fazer

O chefe da minha mãe se atrasou esses dias e justificou.
Foi assim:

“Eu tava pronto, saindo de casa, quando meu filho levantou no berço e disse:

_ Brincá papai!
_ Filho, papai não pode. Papai tá indo trabalhar.
_ Papai... Brincá!
_ Filho, olha aqui o papai como tá vestido. Eu não posso brincar agora, tenho que ir trabalhar. Tem gente me esperando lá no trabalho. Agora não posso.
_ Snif... Papai... Snif... Brincá, papai... snif...

Ah... não tive dúvidas. Joguei a pasta de lado e peguei meu filho no colo.

_ Cê quer brincar do quê, filho? De carrinho? Então vâmo brincá de carrinho!

E fiquei brincando com ele uns quinze minutos. Depois ele quis jogar bola e eu fui jogar bola com ele. Depois liguei a tevê e coloquei num desenho que ele gostava. Daí disse:

_ Filho, agora o papai vai trabalhar, tá bom?
_ Tá!

Por isso me atrasei uma hora!”

(((suspiro)))

Pra mim parece que o mundo inteiro foi salvo e eu respirei aliviada pelo menino que, felizmente, tem um pai guiado pelo amor.


https://mail.google.com/mail/?ui=2&ik=7c4d25b4b2&view=audio&msgs=128bc77b93ca6a9b&attid=0.1&zw

20 de maio de 2010

Mundo Kato



Tenho a impressão de que esse tipo de coisa só acontece porque os candidatos é que estão sendo avaliados. Se os candidatos avaliassem as empresas que os querem contratar, o mundo seria bem melhor, com certeza.

19 de maio de 2010

Porque eu gosto de semiótica

Acho que todos os professores de semiótica na história da humanidade no mundo já responderam à gloriosa pergunta: “Pra quê serve semiótica, afinal?”

Mas há os mais inquisidores, socialmente preocupados com as injustificáveis 40 mil mortes diárias de crianças do terceiro mundo subnutridas ou com doenças evitáveis: “Com tanta gente morrendo de fome, pra quê estudar semiótica? Ao quê ou a quem a semiótica salva? Por que ela é importante?”

De fato. Indubitavelmente a fome física é mais premente, mais urgente do que outros tipos de fome. Sem o alimento para o corpo físico não há vida que possa durar. Mas o alimento não é a única urgência de uma vida. A sede também o é, o sexo, a higiene, o sono, o sonho. Claro. Mas eu não conheço vida que o valha estática em seu processo de perceber e, por isso, progredir. A fome de conhecimento e a pobreza de espírito também são humanas. E uma vez supridas aquelas, o ser há de querer avançar. E quem pode dizer qual fome é mais importante? É mesmo uma questão de grandeza?

Eu posso entender que cada um de nós conhece os anseios da vida. E, graças ao desígnio, temos tendências diferentes, inclinações que nos levam a caminhos distintos. A diversidade não é acaso, é a única forma de perpetuar a evolução. Não há caminho único possível. É por isso que tem gente lutando pelas questões da raça, da orientação sexual, da deficiência, da educação, da política, da cidadania, da mulher, das minorias, das sociedades, das rendas. E por que não da semiótica?

E por que sim?

Bem, a semiótica é a investigação lógica do processo de apreensão do mundo pela consciência de forma cognoscível, por meio da percepção que se converte no fluxo de signos, logo, linguagem. Uma vez compreendida a progressão que se dá na sua cabecinha, desencadeia-se um (embora haja outros) modo de auto-conhecimento. Auto-conhecendo-se você também passa a entender melhor o outro, o mundo e a necessidade do outro e do mundo pra você e em você.

É tão bonito isso...

Pensa só: desde Aristóteles temos a teoria do ato e potência, que nos diz, entre outras coisas, que você não pode se definir senão por meio de atos, que são a essência de sua própria existência.

_ Quem é você?
_ A Camila.
_ Não. Este é seu nome. Quem é você?
_ Eu sou uma jornalista.
_ Não. Esta é sua ocupação. Quem é você?
_ Eu sou a filha da Eliane e do Ivan. Sou a irmã da Thais.
_ Esta é sua localização no contexto familiar. Mas e quem é você?

Eu não posso responder quem sou eu. Eu sou um todo que habita uma consciência, ou sou a própria consciência? Uma só? Sou uma alma que anima um corpo ou sou um corpo que viabiliza a expressão de uma alma? Sou uma vida finita ou uma existência infinita e perpétua?

Ninguém pode dizer com certeza o que é. Mas se você encostar em mim, posso dizer, com toda a certeza, onde termina eu e começa você.
E por quê? Por que eu sinto. E, como diz Pessoa, “tudo o que em mim sente está pensando”.

A semiótica é um meio de pensar o próprio pensamento. E o que é um pensamento senão um pensamento sobre outro pensamento? Todas as palavras aqui escritas estão ecoando na cabeça de você que está lendo e sua consciência está num esforço de significar isso tudo. Como? Por meio de signos, ou seja, de mais pensamento. Ler é pensar, interpretar as palavras é o pensamento do primeiro pensar e certamente a primeira interpretação desencadeia idéias e conexões com, adivinha!, outros pensamentos.

É lindo isso, não é? Tenho até um amigo que, um dia eu explicando, resolveu tatuar uma coisa sobre isso.

Lúcia Santaella falando sobre a primeiridade no sistema de categorias dos elementos que compõem o pensamento na lógica de Peirce é poesia!

“Levantemos, por exemplo, algumas instâncias de qualidades de sentir ao imaginarmos um estado mental caracterizado por uma simples qualidade positiva: o sabor do vinho, a qualidade de sentir amor, perfume de rosas, uma dor de cabeça infinita que não nos permite pensar nada, sentir nada, a não ser a qualidade da dor. Um instante eterno, sem partes, indiscernível de prazer intenso ou a sutil qualidade de sentir quando vamos gentilmente acordando, dóceis, ao som de uma música.”

É claro que existem muitos caminhos a serem percorridos para se chegar à lucidez, à realidade que é compartilhada e independente de nossas opiniões a respeito dela. A semiótica é um caminho e faz sentido pra mim. Se todas as pessoas lutassem pelo quê faz sentido pra elas, mais coisas fariam sentido pra ainda mais gente, porque a lucidez é contagiosa. Já dizia Hilda (Hilst):


“Lúcidos? São poucos.
Mas se farão milhares
Se à lucidez dos poucos
Te juntares.”


Creiam-me. A semiótica me faz entender a vida.

“O sentimento ou qualidade de impressão é um quase-signo porque já funciona como o primeiro, vago e impreciso predicado das coisas que a nós se apresentam.” [Santaella, 1983]

Isso me lembra uma conversa de um amor sobre nós, incluindo-se a si mesmo na terceira pessoa, quando lhe pedi uma estória e veio uma história:

_ Sabe quando você vê uma pessoa que você não conhece bem, mas ama? E sabe quando você ama uma pessoa que você conhece muito bem? Então... Eles estavam num estado intermediário e se amavam tanto quanto podiam diante disso. Era um pré-amor, mas já era tão bonito quanto o amor. Foi assim quando eles se conheceram.

...O que, por sua vez, me lembra o mito de Campbell, o habitus de Bourdieu, a comunhão de Bordenave, a complexidade de Morin...

“[...] Mentes diferentes podem partir dos pontos de vista mais antagônicos que o progresso da investigação os levará, por uma força a eles estranha, a uma e mesma conclusão. [...]Será que não existem realmente estas coisas apenas porque não há qualquer esperança de alguma vez estarem ao nosso alcance? [...] A isto minha resposta é que, embora em nenhum possível estágio do saber possa haver um número suficientemente grande para exprimir a relação entre a quantidade do que permanece desconhecido e a quantidade do que sabemos, não é, no entanto, filosófico supor que, relativamente a uma dada questão, (com um significado claro) a investigação não possa chegar a uma solução, desde que levada suficientemente longe.”

Eis porque ele nos deixou 80 mil manuscritos e 12 mil páginas publicadas. Entre os artigos acessíveis na internet, este, cujo trecho citei acima. “Como Tornar as Nossas Idéias Claras”, por Charles Sanders Peirce, para os brasileiros que não se incomodam com o português de Portugal na tradução.

14 de maio de 2010

Gente, eles não são ótimos?

O rádio me contou esta manhã um maravilhoso conto de uma mulher assaltada dentro de uma delegacia. Poderia ser dos Grimm, se não fosse tão idiota. Ela jogou a bolsa para trás do balcão dos policiais. O bandido saltou, na maior, pegou a bolsa e saiu. Dois policiais assistiram impassíveis e justificaram:

_ Pensamos que era briga de marido e mulher.

Ah tá! Daí tudo bem o marido pegar a bolsa da mulher e sair correndo, seja lá pelo motivo que for.


Uhum. Tendi.


Isso me lembra uma conversa de ontem, no ônibus:


_ Cobrador, preciso descer no ponto do shopping.
_ Falta dois pontos ainda.
_ Ok.

Um ponto depois...


_ É neste agora ou no próximo?
_ Hum?
_ O ponto. Do shopping.

_ Ah... falta 3 ainda...

“Pra você ver como nossa sociedade é, né? O cara deveria estar internado, não deveria estar solto, trabalhando. Mas daí não tem como, né? Colocam um problemático aí, pra atender o público...”


Isso não é nada, gente!
Problema tem nosso presidente. Lembro que ri muito quando ele quis dizer que também cairia no “tatame” mas disse que cairia no “tapume” (???), na época das Olimpíadas. Mas aí é uma piadinha inocente. Não chega aos pés dessa aqui:

Indagada se considerava legítima a comparação de sua biografia com a de Mandela, a pré-candidata do PT respondeu de pronto: “Se você for olhar o tempo de prisão, não. Ele ficou 27 anos e eu fiquei 3 anos e meio. Mas o sentido não é esse”. Dilma disse que a campanha petista quis destacar “o que se faz” diante das ditaduras.


http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,dilma-comparacao-com-mandela-foi-decidida-por-lula,551848,0.htm


Isso porque ele não ia fazer campanha, lembram?

Dá-lhe multa.

Deus, tende piedade de nós.

12 de maio de 2010

Um neném

Há um ano atrás eu dei uma entrevista a um programa que está fazendo um ano.
Palmas ao aniversariante, por favor.

[APLAUSE]

A saber: ZumbiNews

http://magnando.blogspot.com/

Muitos anos de vida.

10 de maio de 2010

Nu

Eu até pensei em dizer que achava a nudez humana admirável, mas naquele contexto ia soar repreensível. Falar uma coisa dessa assim, sentada no sofá da vó na noite de sábado, assistindo o concurso de Miss Brasil, bem na hora do desfile de biquínis, não ia soar compreensível nem pra mim. É claro que eu cogitava intimamente um (por que não?) concurso de Mister Brasil que, àquela altura, seria especialmente interessante. Mas a tia, dotada da intimidade com a própria mãe que Deus lhe deu, foi mais longe:

_ Acho o ser humano vestido tão bonito, tão mais interessante! Não sei por que o povo tem essa agonia pra tirar tanto. O corpo humano é tão feio pelado! O corpo da mulher ainda vá lá, que tem curvas, mas dos homens é horrível! Nossa! Um homem pelado?! Jesus me abane! É terrível! Nem tudo que é gostoso é bonito, né?!

Só deu tempo de suspirar, porque argumentação não cabia. Evocar Michelangelo só não seria pecado se eu não tivesse rido. Mas eu ri. Lembrei do Calvin correndo peladinho até o pote de biscoitos na cozinha, bancando o homem invisível.

É. “Bananas podem serr belas, mas também finas, trristes e amarrelas”*. Então deixa pra lá.



*Hilst, 03/93